Adilson Cardoso
Acabo de ler o livro do professor Geraldo Vitória, que traz na capa o titulo a cima. Um romance que toca nas chagas abertas das questões agrárias. Fala de um negro que vive há mais de 30 anos na terrinha onde dela tirou o sustento para criar seus 5 filhos. Como vizinho, o pobre João Quilombola tem o fazendeiro Atiliano Assunção, um grileiro de terras conhecido da região pela sua fome voraz de ingerir tudo e todos à sua volta, por essa prática chamado de Grilança.
Tudo acontece no interior de Goiás, estado que cedeu espaço para a construção de Brasília. Grilança mandara avisar a João Quilombola que a Grotinha havia sido vendida a ele, junto com outras terras, por um lavrador que há muito se fora. Era inaceitável, pois há mais de trinta anos João cuida daqueles nove alqueires de terra, pisando sobre ela como um ritual divino, praticando a simbiose da vida, pois é dali que tira a água fresca para encher o pote que fica na cozinha, em um canto oposto ao fogão de lenha.
Era lá na Grotinha que a esposa, dona Zeulira, plantava as variadas hortaliças e cuidava feito cria do seu ventre.
Grilança tinha o hábito de fazer todos os tipos de tortura psicológica, para adquirir a preço ínfimo o terreno alheio. Junto a isso procurava trazer o ex-dono para ser agregado seu. Com João Quilombola não foi fácil. Aésar do medo que tinha, o negro era amparado pelo compadre Laziquinho, um branquelo baixo de gosto afinado com a pinga, metido a valente. Quando estava embriagado, tornava-se um valente verdadeiro, aconselhava o compadre a resistir e ao mesmo tempo inflamava a cabeça do pequeno Quinho, o caçula dos Quilombolas, a matar o fazendeiro. Laziquinho também insultava os capangas de Grilança, e dizia que mataria todos a qualquer dia.
João cada vez mais preocupado, sem saber o que fazer, pois a certa altura o grileiro começou a fazer ameaças reais: mandou derrubar a cerca da Grotinha e o gado invadiu a roça. Pisou a horta de dona Zeulira, os capangas ainda roubaram parte do arame. A seguir encontram João na mata e o obrigaram a assinar um papel em branco.
Após isto aumentaram as ameaças, até o dia em que derrubaram sua casa. João por pouco não é morto pelos jagunços. Laziquinho, que havia vendido suas terras a Grilança, havia feito uma casinha na Grotinha, dizendo ele, no intuito de ajudar o compadre, mas o que fez foi se engraçar com Ritinha, filha de João, que havia fugido das garras de Rodézio, que é capanga de Grilança e amásio da moça.
Nossa história termina com João tendo um ataque do coração e morrendo na cidade, ao cruzar com Grilança numa rua, após ter-lhe tirado o único bem que tinha na vida.
Quinho, o caçula que prometia sempre que mataria o fazendeiro, chegou a atirar contra ele, mas a trêmula pontaria não deixou obter êxito. E a família, sem ter mais o que fazer, colocou as trouxas na cabeça e se foi, seguindo o clarão da lua, para onde Deus for servido.
Pouco antes de ser invadida, a Grotinha ainda pôde ouvir as lamúrias de Quilombola que, chorando no interior, sabia que não tinha mais nada o que fazer nessa terra de injustiças:
- Hoje você não é mais aquela, nem pareço estar pisando nos seus ombros, estou em terra estranha. Terra de gente poderosa. Você atirou gula nos olhos daquele homem, ele manda os homens dele aqui, machuca você, machuca a gente, chegam armados, cortam os fios de arame que protegem seu corpo, soltam seus animais. E disparam tiros na casinha da gente.
Ao conseguir o que queria, Atiliano Assunção perdeu o amor pela Grotinha, que foi virando matagal, tapera de bucha, maxixe, cabaça, bananeiras amareladas, laranjeiras queimadas pelo fogo, malheiro de gado. Um choro lacrimoso das águas escalavrado das pedras é a alma de João no suspiro da Grota. Pelo Brasil afora essa história se repete, milhares e milhares de hectares de terras enclausuradas nas mãos de grilanças que contam com o apoio da lei do mais forte, enquanto isto vimos aumentar as favelas e a violência nos grandes centros, pessoas dormindo sob marquises e embaixo de viadutos. Um mundo ferido com as unhas da ganância.