Márcio Adriano Moraes
Escritor e professor do Colégio Indyu e do projeto Educação popular
Pingos que arrebentam telhas e perfuram terras emanam do céu. Engana-se quem pensa que é uma tempestade ou dilúvio. Por mais furiosa que seja a ira da natureza, nenhuma água celeste é capaz de tantos estragos. Esparsas e intensas gotas que custam cessar. Nada mais são que lágrimas de um rosto cujos olhos já não se abrem nem para facilitar o fluir do líquido lacrimal. Se fossem abertos, a pressão seria tão forte que tais pingos se tornariam uma enxurrada. E não apenas telhas seriam quebradas, não só a terra seria sulcada, vidas seriam tiradas e almas seriam perdidas...
A dor sentida nem sempre é necessária. As ofensas recebidas nem sempre são necessárias. A decepção vivida nem sempre é necessária. O gosto amargo da ira e do ódio nem sempre são necessários. Mas explodir os olhos frente a tudo isso sempre é necessário. O carinho doado sempre é indispensável. Palavras dóceis e amigas sempre são indispensáveis. O beijo quente e úmido sempre é indispensável. O amor brando e verdadeiro sempre é indispensável. E desejar que isso seja eterno nunca será dispensável. Embora a eternidade do bem e do mal esteja no instante em que eles são praticados, ela permanece incessante na lembrança deste instante.
Munidas de sais e outros elementos, as lágrimas regam a face. E pela lógica da natureza, sempre se regam os lugares nos quais se deseja ver florir uma planta. Então, que o choro, mesmo dolorido e quente, possa sempre irrigar as frontes mais ásperas e desoladas. E que a feição, outrora abatida e descontente, possa, no mínimo, ser mais serena... ainda que essa serenidade seja um prenúncio de uma posteridade não terrena...
O importante é sempre carregar um lenço no bolso. Nunca se sabe quando irá precisar dele. Nem sempre esse paninho delicado é usado para limpar o próprio rosto. Na maioria das vezes, é retirado do bolso para amparar fluidos alheios. E, quando isso acontece, não se sabe quem é mais irrigado, se é o que oferece a água ou o que a enxuga. Ninguém pára para refletir em momentos de risos, mas sempre há um ensinamento nos lances de prantos. Logo, se após o choro há sempre um crescimento, por que não lacrimejar sempre? Não queremos ser seres lacrimejantes, pois não conseguimos viver em constantes emoções nem almejamos perenes tristezas.
Mas que fique aqui o apelo: se houver gotas nos olhos, que sejam humanas e verdadeiras. Que o peito possa arder em dor quando chegarem os momentos de embeber a vida com lágrimas. E que essas águas possam apenas romper telhados e enriquecer de nutrientes os poros de nossa terra. E se forem tão fortes capazes de romperem vidas, que estas vidas se rompam, mas jamais se percam suas almas. E que um dia tais almas distantes possam ser encontradas para viverem, não uma nova vida, mas uma nova ida que não é desejada, mas, de todas, a mais necessária...