Fagner Campos Carvalho
Advogado, mestrando em Direito e Instituições Políticas pela Universidade Fumec
Hélida Marília Farias
Advogada
Diante da extrema morosidade vivenciada em nosso sistema jurisdicional, várias tentativas de reformas processuais vêm sendo manejadas pelos legisladores, objetivando em primeiro lugar, garantir o acesso da população aos tribunais, em segundo lugar uma efetiva prestação desta atividade jurisdicional específica. Nesta busca, podem ser citadas as leis 9.099/95, que institui os juizados especiais; a lei 10.244/02 e mais recentemente a lei 11.232/05 que inaugura uma nova concepção na sistemática do processo de execução civil.
No entanto, este breve estudo, se encarrega de analisar a inconstitucionalidade gerada pelo acréscimo do Art. 285-A, incluído no Código de Processo Civil, pela lei 11.277/06, na qual dispõe em seu caput: “quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada”. (grifo nosso).
Os pressupostos - matéria controvertida unicamente de direito, sentença de total improcedência e casos idênticos - deste simples artigo, irracionalizam incontinente vários princípios constitucionais. Senão vejamos:
Iniciaremos pelo primeiro pressuposto. Sua nomenclatura afirma a expressão controvertida. Controvertido é tudo aquilo que pode ser contestado, reafirmado ou discutido. Por fim, matéria unicamente de direito, aquela que não depende de produção de provas para averiguação da verdade fática, pois a tese jurídica predomina sobre questões de fato. No entanto, este binômio deve ser tratado com reservas, sob pena do próprio direito ao processo legal ser furtado das partes. Assim, para que a matéria seja tida como controvertida, faz-se necessário que os fatos que compõem a causa de pedir sejam contestados pelo requerido. Curioso é o próprio artigo em voga, afirmar que o requerido sequer será citado. Assim repousa a primeira grande impropriedade da nova legislação e inegável flagrante de falta de técnica processual. Pois falarmos em matéria controvertida é falarmos em citação válida, o que de fato não é pregado pelo ordenamento. Enfim, para ser mais aceitável, o correto seria a utilização da expressão “matéria de mérito”, entendida como aquela que não dependa de produção de provas para averiguação da verdade fática.
O segundo pressuposto se refere à sentença de total improcedência. Neste item, existe outra falta de cuidado e uma terrível imperícia do legislador. Exige o aludido diploma que a sentença necessária ao cotejo do mesmo, seja de total improcedência. Existe uma convicção que a decisão paradigma deve fornecer todos os subsídios necessários para que a sentença por proferir siga o mesmo destino, no entanto, o destino do julgamento por proferir poderia correr tal sorte, mesmo que a sentença paradigma tenha sido julgada parcialmente procedente. Para tanto, basta que a parte integral da rejeição da decisão paradigma tenha objeto mais amplo que todo conteúdo do objeto do processo a ser julgado. Mais este questionamento também não é previsto pela nova sistemática, deixando em seu rastro uma incerteza real nas discussões jurídicas quanto à extensão do uso da sentença comparativa.
No terceiro e último pressuposto – casos idênticos – o descompasso não é diferente. O próprio código de processo em seu art. 301, § 2° afirma que são idênticas, as ações que somem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Verifica-se que o legislador pátrio foi novamente infeliz, pois na realidade, o artigo queria se referir a teses jurídicas idênticas e não mesmas partes mesma causa de pedir e o mesmo pedido como extraído de seu entendimento. Enfim, de nossos legisladores, algo podemos afirmar. Casos idênticos certamente não significam ações idênticas.
De resto, passaremos a uma efetiva compreensão de alguns princípios constitucionais, a fim de investigar a possibilidade de convivência harmônica entre tais postulados constitucionais e o novel instituto processual civil.