Homenagem aos que não conseguiram viver a sua vida, e principalmente aos que conseguiram

Jornal O Norte
Publicado em 26/05/2010 às 09:26.Atualizado em 15/11/2021 às 06:30.

Mara Narciso


Médica e acadêmica de Jornalismo


 


“Quando você faz, o tempo passa. E quando você não faz, passa do mesmo jeito. Então eu vou fazer”. (Milena Narciso)



Acordei com uma baita saudade da vida que não tive. Com vontade de viver aquilo que não vivi por covardia. Rememoro os feitos que não fiz, os passeios que não passaram de vontades e dos amores que não amei. Ah, quanta coisa eu poderia ter sentido e não senti, quantos afazeres que poderiam ser executados, e não executei. Acovardei-me. Em nome da segurança não gastei, em nome do conforto não ousei, em nome do comodismo não me arrisquei, e em nome do status quo não me movi. Para ter uma rotina segura, nem sequer avancei. Não consegui viver fora do script, fazer algo excêntrico ou imprevisível. Daria um ano para viver um dia daquele modo que não vivi. Quis, mas não consegui vivê-lo.



Vontade de viajar para aquele lugar que nunca fui. Deveria ter ido para haver o que recordar. Sinto falta daquela boca que não beijei a beira-mar. Tenho vontade de sentir o cheiro daquele homem, que não me fustiga as narinas da memória porque nunca o conheci. É desesperador olhar para frente e não ver nada que seja possível fazer, e o pior, olhar para traz e saber que fiz pouco, que passei a vida sem vivê-la, que tive uma existência de submissão.



Culpa e arrependimento por não ter conjugado alguns verbos indispensáveis, como ousar.  E outros tantos que estavam a minha disposição para ser usados, faltando para isso coragem. “Siga em frente”, ou “a vida flui célere”, são frases inúteis quando estou nesse ponto de estrada. Agora é tarde para mudar o curso da minha história. O meu tempo acabou. Não consigo dar uma guinada agora, pois me faltam forças. Estou confusa. A morte vem a galope, sinto-lhe o ruído e o mau-cheiro. É tarde demais para ser o que não consegui antes. Lamentar chateia, mas é o que me resta. O sabor da derrota não é outro senão o da amargura. Dói pensar em tudo que poderia ter sido e não fui.



O tempo e o vento passaram. Cheguei ao fim sem lágrima e sem vela, submetida ao roteiro alheio, e não ao meu roteiro. Passei a vida dentro do esquadro. Quando a cortina se fechou, eu não gostei da escuridão, nem da ausência de aplausos. O ponto final da jornada deixou ecoar um único soluço abafado: o meu soluço.



Mandaram-me viver a vida, e desobedeci.

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