Marcelo Braga
Escritor
“Mas por que não poderia achar que era pra mim?”
Já estavam no meio da conversa, mas não haverá problemas em começarmos daqui – como um cochilo de quando em quando não tira da vida o seu sentido.
Foi quando ele brincou com a frase que ela havia deixado no lugar do nome no msn. Como um alarde dum estado de espírito que nem mesmo ela reconhecia.
“Pra algumas pessoas a gente SÓ olha e vai embora... não é?” E levou alguns segundos para acrescentar: “Não, pra ti hoje não vale” – imagem da carinha de vergonha ao invés de alguma pontuação. “Acho que, com você, ficaria pra conversar... não iria embora”.
Já fazia cinco meses...
Depois de tantos desencontros e da enorme distância que os havia separado, começavam a se conhecer ali, pela tela do computador. A falta de entonação atrapalhava, compensando-se com dinamismo e disponibilidade: a benção, Mundo Virtual!
“A cada conversa que temos aqui, sinto mais vontade de você!”, sustendo a respiração. “Sem falar do quanto te imagino com essas carinhas envergonhadas”, aproveitando esses ganchos que ela deixara antes e depois do “Idem”.
Haviam se desencontrado por conta de uma Conhecida dela, que o havia achado primeiro. Quando se viram numa boate, ao lado da Conhecida, ele murchou, lendo “proibido!” no brilho daqueles olhos verdes.
“Afinal de contas, quem foi que me chamou mais atenção? Pois se não cheguei a me arriscar numa investida suicida atrás de ti?”
“Uau! Investida suicida…”
“Bem loucura aquilo mesmo. Deixei a menina no meio da boate. E ela, com certeza, vendo tudo...”
“Também! Eu te dei uma olhada... essas coisas são legais.”
“Muito! Aquela sua olhada... realmente... acabou comigo.”
“Eu até ia perguntar pra ela sobre ti, mas vieste conversar comigo na porta do banheiro!”
Aguardando a resposta de cada frase, sorriam. E o contentamento que experimentavam, apesar de não os aproximar, tornava-os mais presentes. Palpáveis...
Radiante, acostumando-se aos elogios dela, disparou: “Vem pra cá, vem?”. E ela corou, além de precisar de um pouco mais de ar: “AAAAAAAAAAI. Não assim...”.
O peito opresso, um nó azulado na garganta, pensou em voltar no tempo, para conhecê-la com outra cara, num outro lugar, com os braços nus, assoviando para a lua, ou descendo uma ladeira. Diferentemente... E, buscando o dejavu, como se a rotina fosse o seguro mais acessível que se pode fazer na vida, retomou o assunto: “e sabe o que tenho pensado? Não preciso mais ficar pedindo pra você ficar mais um pouquinho, pois você não sai mais correndo, quando fala no msn comigo!!!” A mesma pausa antiga do cinema mudo. “Ah... eu gosto de conversar contigo.”
Não teve coragem de confrontá-la. Melhor seria deixar o passado do mesmo jeitinho que sempre fora: imutável! De que adiantaria um “mas, antes, quase não conversava...”?
“É um antagonismo enorme... a felicidade que sinto pelo rumo que temos tomado e a tristeza pela distância...” Há arremedos...
“E eu caio em questionamentos. Quis fazer as coisas certas, pra não magoar a Conhecida... porque eu tinha dúvidas... e hoje acho que, talvez, tenha pensado demais nos outros... Mas...”
“Você deve se arrepender muito por ter deixado de me dar ouvidos em algumas ocasiões.” Aprendera que o humorista vende mais que o dramático. “Mas tudo isso pode ficar pra trás, se me der ouvidos agora!!! Vem me visitar!!!!! rsrsrs (boa essa!)” E que o piegas declarado, em retinas apaixonadas, é extremamente belo – o que seria das clínicas de estética, se respirássemos paixões?
“Eu penso muitas coisas sobre isso. Que talvez aquele não fosse o momento pra te ‘conhecer melhor’. Talvez eu estivesse muito ligada em outras coisas... sei lá. Mas também penso que, nem sempre, a vida nos dá duas chances. E, daí... sei lá de novo!”
“A vida pode até não dar, mas eu ainda tenho uma chance guardada pra você.” (não façam essa cara! O mundo é para todos.).
“Ó que me apaixooooono!” (avisei!).
“É exatamente esse o meu intuito. Por que eu tenho que me apaixonar sozinho?”
“Mas não quero me apaixonar por alguém de longe...”
“‘O homem inventou o avião.’ Tem uma música assim.”
Ela sorriu, mas preferiu não colocar na tela.
Aguardou mais uma frase dele. Eternamente. Enquanto ele esperava uma resposta. Que não viria.
Estando lado a lado, não teriam compartilhado o mesmo pensamento, como de fato fizeram. Pesarosos. E levemente resignados.
Ela o havia deixado passar. E ele passara.