Guilherme Guimarães, ícone da moda: - As mulheres tatuadas são todas vulgares

Jornal O Norte
Publicado em 14/04/2010 às 09:26.Atualizado em 15/11/2021 às 06:26.

Felippe Prates


Jornalista e escritor



Ele, há décadas, sempre vestiu as mulheres mais elegantes do “jet set” internacional.  Semana passada, numa festa para 900 convidados no MAM, a anfitriã, Regina Martelli, jornalista de moda, vestia Guilherme Guimarães.  Aos 68 anos declarados, mais de 50 de carreira, Gui Gui, apelido que ganhou de Ibrahim Sued, conhecido no mundo inteiro pelo seu extraordinário talento e por não ter papas na língua, puxando um suspiro sincero lá do fundo, entrevistado, lamenta que a globalização tenha acabado com o estilo e diz que odeia a palavra “tendência”:



- No meu ateliê não tem tendência, tem estilo.  Tendência é coisa para quem não é chic.



Mordaz, engraçado, este gaúcho de Canguçu acaba de aceitar um desafio e tanto proposto por Marcos Vilaça, Presidente da Academia Brasileira de Letras:  criar um traje novo (fardão) para as mulheres imortais vestirem em dias de gala.  O primeiro foi criado há 33 anos pela escritora Rachel de Queiroz, a primeira mulher eleita para a Academia, que deu uma de estilista e criou e usou  o seu próprio fardão, a partir daí adotado pelas imortais seguintes.  O novo traje, ainda em fase de croquis, secretíssimo, democrática e gentilmente aguarda a aprovação das mulheres que pertencem à Academia:  Nélida Piñon, Lygia Fagundes Telles, Ana Maria Machado, Cleonice Berardinelli e há de ser audacioso, como o seu criador.



- Elas não vão mais usar aquele vestido comprido, mas, sim, calças.  Com isso, quero marcar uma característica de união com os homens.  Longe de ser um fardão masculino, as imortais da Academia usarão a calça com um “débardeur” (camisa regata).  E, por cima, uma túnica que não fecha, levinha, bem feminina, sem a seriedade das túnicas masculinas – antecipa Gui Gui.



Em seu apartamento coladinho no Hotel Glória, no Rio, local da entrevista, Guilherme Guimarães conduziu os jornalistas a uma saleta cheia de espelhos, pesadas cortinas listradas, um imponente busto marroquino em mármore.  No início, cauteloso com as palavras, aos poucos ele vai perdendo a cerimônia e revela um delicioso senso de humor.  O apartamento do estilista, que entre os anos 60 e 80 foi o maior nome da alta costura brasileira  –  quando chegava a fazer 30 vestidos por mes  –  reflete a exuberância de sua personalidade.  São  450 metros quadrados distribuidos em dois andares, que misturam, sem nenhum pudor, os estilos clássico e barroco com algumas pitadas de exotismo oriental.  Cada cantinho do apartamento guarda algum objeto importante da sua vida: estatuetas, cadeiras, biombos, peças antigas, tapeçarias, revistas de hoteis de Paris, dezenas de vasos e porta-retratos com fotos de amigas muito amadas, como Grace Kelly, Jacqueline Kennedy, Tanit Galdeano, Diana Vreeland, Chanel, Peggy Guggenheim e Audrey Hepburn, todos com c arinhosas dedicatórias.  Gui Gui conhece, claro, a história de cada um desses objetos:



- Este tinteiro foi do Titanic.  É coberto com couro de crocodilo negro do rio Nilo e tem um estabilizador para a tinta não derramar com o balanço do navio.  Esta escultura de Cesar é herança de família.  O biombo dourado comprei  de Beki Klabin.  Ele incorporou à sua personalidade muitas excentricidades.  Não usa telefone celular, não tem computador nem secretária eletrônica, não se hospeda na casa de ninguém, sempre mora ao lado de hotéis para fazer suas refeições e não poluir a casa com cheiro de comida, tem horror a televisão e caminha no calçadão do Leme de “espadrille” e sem filtro solar.



- Filtro, nem pensar!  Isso é invenção desses americanos idiotas.  Você  acha que eu mantenho este corpo bronzeado lindo, como? Ele não calça tênis nem para caminhar na calçada da praia:



- Coloco a minha “espadrille”, pego um táxi, caminho e volto para casa de táxi.



Outra excentricidade fica por conta do “closet” com roupas idênticas, usadas:



- Aqui em casa não tem essa história de roupa nova, não.  Você sabia que os homens elegantes de Londres ainda usam o blazer da universidade?



Guilherme Guimarães é um homem que cultua o glamur, principalmente o das grandes mulheres.  Cinema?  Só se for para ver estrelas do quilate de Fanny Ardant:



- Não saio de casa para ver essas americanas com cara de galinha tipo Meryl Streep e Gwyneth Paltrow.  Prefiro ficar sentadinho no meu sofá, porque eu me basto, eu me adoro.



Tipo “mignon”, gestos discretos, Guilherme tem um carinho especial pela imagem de Baco, deus da luxúria e do vinho, em tamanho natural, comprada em um antiquário italiano, em São Paulo, nos anos 90.  Para ele a casa deve ter sempre a cara do dono e “só os sem noção” contratam decoradores.  Carmen Mayrink Veiga, uma de suas melhores amigas, com quem fala ao telefone pelo menos três vezes ao dia, concorda.



O estilista é conhecido, também, por recusar clientes importantes.  Quando FHC era presidente, a primeira dama, dona Ruth Cardoso telefonou para Guilherme Guimarães solicitando-lhe que fizesse o vestido de noiva de uma sobrinha.  Gui Gui concordou, mas ao tirar as medidas da jovem, viu que ela tinha uma pequena tatuagem em um dos ombros.  Imediatamente, com sutileza, recomendou-lhe que procurasse outro profissional.  Diz ele:



- Não trabalho para mulheres tatuadas, pois não fazem parte do meu universo.  Considero todas elas, sem exceção, vulgares e sou o inimigo número um da vulgaridade, que é o oposto da minha arte, que exalta a beleza em sua exuberância.  Elas fingem ignorar a realidade, a pura verdade:  a tatuagem é uma prática estigmatizada, própria dos marinheiros do cáis do porto e das mulheres que os servem sexualmente, tatuadas com os nomes de seus freguêses.  Ou seja, coisa de gente da pior espécie, um enorme desrespeito por si mesmo, um primeiro passo até para a prostituição, pois nessa linha de desamor pelo seu próprio corpo, numa inevitável escala descendente muitos homens e mulheres, derrotados, acabam por alugá-lo por dinheiro!



Mas, não são só as mulheres bonitas que fazem a cabeça do notável estilista:



- Aprendi que a elegância independe da beleza.  Às vezes uma mulher feia é elengatérrima e sobressai  muito mais do que uma bonita, sem explicação.  É, porque é  –  e ponto final!  As elegantes nascem e morrem elegantes.  A ex-modelo Lúcia Curia foi fantástica como manequim, mas depois que se casou ficou fixada em imitar a Elizinha Moreira Salles.  E uma mulher que quer ser clone da outra não pode ser elegante  –  sentencia, finalizando.

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