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Quinta-Feira,16 de Janeiro

Graduação em cachaça

Jornal O Norte
Publicado em 26/04/2006 às 12:08.Atualizado em 15/11/2021 às 08:33.

Míriam Cavalcanti Prado *



Enquanto o governo não cumpre as velhas promessas de emprego, a mídia anuncia mais uma inscrição para o curso superior em “Tecnologia e produção de cachaça” em Salinas; diga-se de passagem, com toda regalia legítima a que um decreto presidencial possa regulamentar.



Temos observado, com preocupação, o governo cooperar cada vez menos para a solução do sério problema do desemprego, submetendo o cidadão carente a graves constrangimentos a ponto de inverter valores e soluções.



- É bem verdade que o Brasil precisa de tais rendimentos das exportações que serviriam pra minimizar a crise do desemprego...



Difunde-se na imprensa, além do citado curso superior, outras apelações defendendo a cachaça como um produto de exportação, em torno do qual, surgem propostas de instituição do dia internacional da cachaça; de novos cursos em tecnologia cervejeira, de artigos de fundo que fazem apologia ao alcoolismo e outras aberrações.



- Também está claro que o disparate de toda a culpabilidade começa pelo lugar errado para onde políticos desviaram tanto dinheiro



É bem verdade que o Brasil precisa de tais rendimentos das exportações que serviriam pra minimizar a crise do desemprego e esse, realmente tem levado jovens ao desespero, a ponto de se apegarem a qualquer fio de esperança para se resolverem economicamente. Mas não justifica chegar-se ao ponto de fazer dinheiro desconhecendo conseqüências que objetivam ilegalidades previstas em leis. Também está claro que o disparate de toda a culpabilidade começa pelo lugar errado para onde políticos desviaram tanto dinheiro que seguramente daria para comprar um sem-número de fábricas de fazer empregos decentes e não ser preciso fabricar indecentes bebuns. Aliás, nesse mesmo ritmo de apelação, tudo indica que estamos perto de vermos instituído não só o dia da cachaça, como também das outras drogas a exemplo da cocaína, haxixe, LSD, maconha... Cada qual com sua respectiva faculdade e com a mesma desculpa de exportação?



Imaginem vocês como seriam as disciplinas curriculares de um curso de incentivo à droga, cujas fórmulas anestésicas de efeitos colaterais e imorais, assim, provavelmente se intitulariam: A arte de perder o juízo... E é por isso que eu bebo... Como viver nas nuvens... Como se manter doidão... Sonhando multicolorido... E por aí vai.



Partindo de razões incontestáveis, são questionadas pelo cidadão lúcido as incógnitas a saber:  Que país é esse sem discernimento onde o bem e o mal se confundem? Seria preciso tanto aparato curricular para detonar um simples mortal? Ou será se com todo esse ensinamento específico, em nível superior, a cachaça vai deixar de ser lesiva?



Enfim, por que os governantes não fazem campanhas fortes e agressivas contra a droga do alcoolismo também? Será se desconhecem que o fato de ser impune e barata, essa droga se torna mais perigosa que todas as outras juntas?



Sabemos que as características sintomáticas da prática alcoólica sempre foram e serão tirar a consciência, barrar o saber, a ciência e a verdade. È impreterível o usuário tornar-se um sujeito tragado, submerso no líquido cuja finalidade é senão adquirir o incômodo patológico da embriaguez.



Pensando nisso, se essas faculdades que induzem a doenças, ao revés, incentivassem aos jovens a não usarem drogas, certamente diplomariam cem vezes trinta e não apenas trinta por ano como faz a faculdade de Salinas. Assim, o mundo seria outro e os pais teriam onde e como se amparar. Ou será que esse tipo de faculdade esdrúxula, do final dos tempos, ousaria se igualar às outras nas quais tantos sonhos dignos traduzem?



A finalidade de um ensino superior desse naipe, não é outro senão seduzir e amargar “pobres diabos”, ao inferno de tantas violências.  Embevecidos ao ato de transmitir o que aprenderam como lição, tais discípulos da cachaça vão manipular receitas e iludir com suas produções. Fragilizado, o crédulo é dominado. O vício vem, e com ele os sonhos, atos falhos, lapsos de linguagem, tropeços na fala...



Alheio à realidade, o alcoolista se satisfaz plenamente no fluxo contínuo e infinito trazido pela bebida. E, abstendo-se de qualquer outra liberdade, prefere manter-se preso à ignorância inculta a manter a dignidade do estado normal. Paga o mico, caro, pelos seus feitos em infelizes momentos de inconsciência como, por exemplo, o triste quadro da remoção do pinguço da sarjeta e a voz sem nexo, pastosa, sem dizer coisa com coisa. Nesse afim, a sociedade exigente e perfeccionista não deixa de excluí-lo do seu próprio meio. Afora que, instalado o vício no indivíduo, vêm problemas de dependência física. Nessa fase a substância química passa a envolver o doente que, para suprir seus caprichos é capaz de fazer o impossível. . 



Manhoso como ele só, é o mercado da cachaça no que se posiciona à espreita na arte de saber destilar o seu veneno liquefeito e depositado dentro das garrafas; das prateleiras, das exportações e exposições. Grandes motivos artesanais é a forma de amenizar às suspeitas em verdadeiras obras de artes com shows espetaculares de visuais. Sucesso absoluto, claro.



- Assim, o produto se torna livre nos supermercados ao alcance de todos que quiserem se drogar e violentar a sociedade, à vontade



Um chamativo à dependência considerada como a droga que mais vítima faz, dada à aquiescência da lei que prevê esse tipo sem censura, com o preço mais barato e condizente com a maioria da população. Assim, o produto se torna livre nos supermercados ao alcance de todos que quiserem se drogar e violentar a sociedade, à vontade. E aí, tudo começa a se desvendar e o governo se calar para manter o povo bêbado, manso e tolo. Então, o valor da cachaça é justificado como sendo a tábua da nossa salvação.Daí a ser fruto da presença imprescindível na pauta brasileira de exportação. Legitimada em função do retorno do dinheiro que poderia ser bem-vindo ao país, sim, mas com restrição: Se não fosse gerado de algo entorpecente, se as doses tragadas não fossem objetos de inconsciência e nem fosse preciso esse vício ser a causa de tantas violências nos bares, nas ruas, no trânsito, nos lares, nos botecos, nos estádios de futebol...



E... Enquanto isso, na Faculdade de Salinas, ignorando o óbvio; os futuros profissionais, cachaçólogos, atêm-se a mais uma aula teórica de mundrunga. Ali, é onde a origem de malefícios determina o incentivo macabro do crime.Àqueles compenetrados que ali se acham, se graduarão a levantarão a pecha na arte de manter sempre viva a inconsciência de milhares de pais de família que se tornarão adeptos aos efeitos lesivos do álcool. Com arrojados requintes de maus exemplos, o país, não tem como não se manter anestesiado, talvez para não sentir os efeitos de outra droga. A corrupção.



* consultora e pesquisadora temática

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