Ronaldo Duran
Escritor
ronaldo@ronaldoduran.com
Peguei carona. Desço, atravesso a Avenida das Nações Unidas. À entrada do restaurante, as mãos ocupadas com os livros, me esforço para cumprimentar o pessoal. Corro para o quartinho. Sim, tô atrasado. A aula de anatomia me pegou. E nem dava para sair mais cedo: eu estou meio enroscado. Preciso melhorar as notas. Estou me aplicando o máximo. Primeiro, para o conhecimento entrar na caixola; segundo, para exibir uma pose de comprometido com a aula, isto conta ponto com a mestra. Nem pense me deixar mais numa dep, professora. Eu preciso fechar este semestre melhorzinho, se não corro o risco de não concluir o curso de Fisioterapia em quatro anos.
Nem gasto muito tempo na troca de roupa. Quando a disciplina é mais laboratório ou em sala de aula, vou vestido de calça, sapatos, meia pretas. Aqui, apenas troco a camiseta pela camisa branca e a gravata.
“Ei, boa vida”, disse o maître rindo assim que me aproximo do caixa, “leva o prato da mesa 28” . E lá fui eu. A fome me roendo o estômago. Complicado, antes de começar a trabalhar eu sempre janto. O dia que chego mais tarde, contudo, o horário de janta coletiva já se encerrou e a turma está no maior alvoroço. Claro que eu como depois. Basta escapulir para o interior da cozinha, e com cara de pidão, conseguir meu prato com o cozinheiro zombador.
Que absurdo! Na hora que fui cortar o bife a cavalo da mesa 28, o treco escapou e foi parar no chão. O maître corre. Pede desculpa. E providencia outro prato na cozinha. “Que mancada!”, me adverte. “Talvez por que não jantei”, respondo. “Tá, então vá jantar”. E sigo para cozinha. Sei que este episódio consumirá a semana toda como lenha para zoarem comigo.
Ela chega, e com ela desperta minha paixão adormecida. A gerente. Sim, parece romance. Eu daria tudo para depositar um beijo em seu rosto. Não faço às vezes de patinho feio. Sou despojado. Até trocamos idéias legais. Sinto, porém, que ela me trata como um subalterno, que minha paixão é unilateral.
Sou grato por ela existir, e estar aqui perto de mim. Por causa dela eu experimento essa sensação gostosa. À noite, na minha república solitária de fim de semana, quando estou estudando, penso nela, em seu rosto, no seu modo de desfilar quando anda, no jeitinho de falar. Faz-me companhia sua imagem bailando em minha mente.
Vamos torcer que a caixinha hoje seja mais gorda. Preciso pagar a apostinha de Fisiologia III, além de comprar um tênis decente para as aulas de educação física da quinta-feira de manhã. Eu vou trampar com vontade, e espero que os clientes e suas gorjetas me sorriam.