José Wilson Santos
zewilsonsantos@hotmail.com
Tivesse sido convidado por dona Ana Maria Braga a opinar, opinaria. Como não fui, limito-me a dar pitaco e levar o caso a meus dois leitores. Não sou especialista no assunto, mas como dou minhas cacetadas na cozinha me sinto pra lá de habilitado a excursionar pelo tema e dizer o que acho de uma belíssima galinhada: é um trem bão demais da conta, sô! Galinha magrela é supimpa, porque o melhor do tempero fica nos ossos. Galinha gordinha é muito mais melhor de bom, porque tem sustança, enche a mão e o caldinho do prazer escorre pelos dedos. Particularmente, tenho todo um ritual pra comer o ‘sobre’, que inclui luz de velas e banho de banheira.
Quem é que nunca experimentou uma galinhada, índio velho? E nunca ralou o umbigo no fogão, preparando a sua? O Degas aqui, apreciador inveterado das galinhas — caipiras ou da cidade, tanto faz, desde que sejam meio coroinhas —, sabe deixá-las molhadinhas da silva, no ponto máximo do prazer. E como não sou egoísta, me arrisco passar receita da consagrada galinhada com uísque, ao som de Frank Sinatra. Vamos lá:
Ingredientes: um litro de uísque de boa qualidade e gelo de água de coco à vontade; uma galinha gorda ou magra, conforme o gosto do freguês; 01 cebola média, 01 pimentão médio, dois tomates médios, seis dentes de alho, meio copo de azeite extra virgem, meia xícara de molho de tomate, dois tabletes de caldo de galinha caipira, sal e pimenta do reino branca a gosto, e 250 gramas de arroz quebradinho – popularmente conhecido como arroz de terceira.
Modo de preparar: tome uma talagada de uísque, pra ficar relaxado e bem na fita. Repita a dose três vezes e vá colocar o CD de Frank Sinatra. Se não tiver, serve aquele do Ray Conniff cantando o ídolo. Se não tiver também, tome mais uma dosona e lasque um do Falcão. Lascar, do verbo colocar o CD no aparelho, viu, seu abestaiado? Feito isso, volte à cozinha, dê mais uma beiçada no uísque, limpe, corte a galinha pelas juntas e tome mais um trago. Pique a cebola, o pimentão, o tomate e os dentes de alho e tome outro trago. Pique a meia xícara de azeite e tome outro trago. Pique o arroz quebradinho, o caldo de galinha, o sal e a pimenta do reino e dê mais uma beiçada no uísque.
Vire o CD do Falcão pro lado dois e tome mais uma talagada de uísque. Acenda o fogão, coloque a pia no fogo, refogue bem os temperos no azeite e tome mais uma. Junte a galinha e tome outra. Enquanto douram, limpe bem a panela, porque não tem trem pior que panela suja juntando formiga e mosca na cozinha, e tome outro uiscão. Despeje na pia dois litros de água fria fervendo. Tampe a pia direitinho, certifique-se de que pegou pressão e tome um dedão de uísque. Não, não é pra tomar o uísque no dedo não, rapá! É pra medir a dose. Coloque o dedo para cima e pare de despejar quanto o líquido atingir a altura máxima. Esqueça o gelo, porque a esta altura do campeonato você não sabe mais aonde o enfiou.
Galinha cozinhando, recolha a sacolinha de lixo da panela... Não, rapá, não é pra colocar na pia não! Leve pra fora, índio velho, porque senão vai juntar formiga e mosca. Depois, tome mais uma. O som vai estar tipo silencioso, mas é que o Falcão também já deve estar bêbado. E tome mais uma. Acabou? A cozinha tá rodando? Vá ao banheiro, enfie o dedo na garganta e chame o Juca, mas cuidado pra não cair de cara no vaso. Volte à cozinha, desligue o fogão, coloque a pia na geladeira e vá dormir o justo sono dos bons chefs.
Esquenta não, índio velho. O Degas aqui tenta fazer essa galinhada há dois anos, mas ainda não consegui passar à fase seguinte, a do arroz. Domingo que vem cê tenta de novo.
Tão tá então?