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Domingo,12 de Janeiro

Fundo de quintal - por João Caetano Canela

Jornal O Norte
Publicado em 06/05/2008 às 14:28.Atualizado em 15/11/2021 às 07:32.

João Caetano Canela



O agente de saúde vem à minha casa, cujas dependências eu lhe franqueio para vistoriar. Ele, que trabalha no combate à dengue, verifica vasos de plantas, ralos, caixas d’água, enfim, esses locais em que as larvas do Aedes aegypti possam se criar, e afinal se dá por satisfeito: não descobre nenhum foco desse mosquito em minha casa.



Mas, se não descobre mosquitos, descobre que tenho algumas árvores plantadas aos fundos do meu pequeno quintal. Esse homem é um agente de saúde, está visto, mas também está visto que aprecia plantas, da mesma forma que eu aprecio. Podia já se ter ido, após cumprir sua incumbência profissional, mas ainda fica a conversar comigo.



Ele me fala de pequenas plantas, bem como de grandes árvores, e de repente eis que se encontra a me falar das gameleiras, perguntando-me se já prestei atenção nelas, como são belas e poderosas, se já vi como elas se atracam aos coqueiros, submetendo-os num abraço de morte. Em seguida me conta fatos de sua vida pessoal, quando morou na zona rural. Tem saudade da roça – diz - mas não para morar. Seu plano de vida é continuar morando na cidade, comprar um dia uma casa, num bairro sossegado; uma casa com quintal, claro, para poder ter aos fundos deste umas plantinhas, da mesma forma que eu tenho as minhas ali.



Ele me diz essas coisas, com seu jeito simples. Tem uma prosa agradável; não me amolo com a sua presença, antes a aprecio, já que gosto mesmo desses assuntos. 



E de plantas nós vamos falando, agora daquelas que tenho no quintal, especialmente de um pé de graviola, cujo viço e carga de frutos lhe chamam a atenção. Fica a admirá-la, exclamativo: já vira muitas graviolas, mas nenhuma tão exuberante e pródiga em frutos como esta do meu quintal.



Depois, se volta para mim, meio pensativo, e diz que muita gente fala das propriedades medicinais das graviolas, se eu sei disso. Digo que já ouvi isso, sim, mas que não sei que propriedades seriam essas. Aí quem o interpela sou eu, indagando dele se já experimentou a polpa da graviola batida com leite e açúcar, que resulta num suco de sabor raro e inigualável.



Não, nunca experimentou esse suco – diz - mas gostaria muito de conhecer-lhe o sabor. Ora, se é assim, não tenho alternativa senão colher duas das minhas maiores e melhores graviolas e oferecer-lhe de presente. Nessa altura já somos bons camaradas, a ponto de eu lhe falar de minha frustração com as jabuticabeiras, cujas mudas, por mais que eu cuidasse delas após plantá-las, sempre recusaram o solo do meu quintal. Ao que ele me conforta falando que “jabuticabeira tem esses enjôos mesmo”; que eu as deixasse para lá, pois, afinal, o que faz uma pessoa feliz na vida “é gostar daquilo que se tem,” como, por exemplo, e ele aponta a minha pitangueira enflorada, gostar daquela pitangueirinha linda...



Somos dois homens simples, com um comum apreço por plantas, e estamos ali não para tratar de assuntos graves, não para conspirar contra nada nem ninguém, mas apenas a conversar sobre árvores. Ali estamos os dois, distraídos de nós, alheios ao preço do petróleo e à cotação do dólar, alheios aos negócios do nosso município e do mundo em geral; ali estamos, simplesmente a conversar sobre plantas, descuidados, vagos, gratuitos. Não, não há nenhum desdouro no fato de dois homens falarem de plantas. No entanto, se alguém - alguém que cuida de altos interesses e tem grandes responsabilidades na vida – nos ouvisse ali, por certo zombaria de nós, não compreendendo nossas motivações; e pensaria assim: “Eis dois sujeitos irrelevantes que falam de coisas irrelevantes.”



Seremos realmente irrelevantes? Bem, distraídos de nós, ainda ficamos ali por um bom tempo, a conversar sobre plantas, até que o visitante resolve que é hora de partir, sem não antes me perguntar se eu já ouvira falar de abiu – uma fruta de polpa adocicada e saborosa. Pois ele me promete uma muda desse abiu, afirmando que se trata de uma arvorezinha que vai enriquecer muito o meu pomarzinho...



Dito o que, se vai, e leva nas mãos, como se conduzisse troféus, as graviolas que lhe presenteei. E eu fico pensando que nós dois, que não somos dois sujeitos graves e sisudos, poderíamos mesmo ser irrelevantes e menores, caso não tivéssemos no coração aquilo que inspira e engrandece os homens - a emoção.

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