Frenemies

Jornal O Norte
Publicado em 20/10/2010 às 08:47.Atualizado em 15/11/2021 às 06:41.

Felippe Prates



Retornando ao Brasil via Estados Unidos, após viagem à Inglaterra e Bélgica, constatamos que,  hoje, em Nova York, só se fala de frenemies  –  pois, tempos de crise, sabe como é, o humor fica mais ácido e torna-se quase nula a paciência para troca de gentilezas no papinho entre amigas regado a Cosmopolitans. Essas coisas...



Bem, se você, querida leitora, nunca ouviu falar em frenemy, que nada mais é se não a junção das palavras friend+enemy (amigo+inimigo), vá ao Urban Dictionary, guia online de gírias e confira que frenemy pode ser “ao mesmo tempo uma relação benéfica e competitiva, cheia de riscos e desconfianças”, um inimigo disfarçado de amigo, ou alguém que é, ao mesmo tempo, amigo e inimigo.  Os nossos conterrâneos corjesuenses (achamos linda essa palavra “corjesuense”, um pátrio gramaticalmente correto, que somente nós, felizardos nascidos em Coração de Jesus  podemos usar, nos identificando...) e que sabem tudo, puristas natos da Língua, traduziram frenemies para o Português de forma brilhante e definitiva: “inimigos cordiais”!



Depois daquele surto de amigas para sempre, entre as personagens do seriado “Sex & the city”, tudo indica que as mulheres caíram na real.  Vieram Blair e Serena de “Gossip Girl”, que confirmaram a tese: uma diz que a outra é burra, a outra diz que a uma é recalcada e... pronto!  As mulheres perceberam que amizade não é um mar de rosas e é bem provável que existam várias frenemies bem pertinho delas.



Fora de Manhattan, um exemplo oportuno que acaba de pipocar na imprensa é o relacionamento entre a heroína colombiana Ingrid Betancourt e Clara Rojas, duas malas, ambas ex-prisioneiras das Farc, a organização narco-guerrilheira que há 30 anos seqüestra e mata na Colômbia. Muy Amigas em tempos de cativeiro, elas entraram no clima de picuinha desde que Ingrid escreveu em sua biografia “Não há silêncio interminável”  –  fraquíssima, por sinal  –,  que Clara pediu permissão a um comandante do grupo guerrilheiro para engravidar, revelando, assim, uma história muito íntima.  Totalmente frenemy.



Ocorre, que geralmente temos muitas afinidades com nossos frenemies, mas, também, sentimentos ambíguos, pois o frenemy pode nos causar uma sensação de desconforto que, geralmente, não lhe é inteiramente consciente.  Mais ou menos dentro daquela divertida gozação do Chaves: “sem querer, querendo...”



Nenhuma amizade é perfeita, o desentendimento entre pessoas próximas e que até se amam é normal, sempre com altos e baixos, dando ensejo aos “momentos frenemies”.  O xis do problema é que, ao contrário de um inimigo ou desconhecido, o frenemy é uma pessoa com quem temos menos reservas e a chance de sairmos magoados é bem maior em razão da nossa conseqüente vulnerabilidade frente a essa pessoa.  Talvez, certas alfinetadas sejam bastante propositais e, muitas delas, são frutos de nossa própria insegurança, pois, ao diminuir alguém, podemos nos sentir melhor em relação a nós mesmos.  Isso pode parecer *maucaratismo, mas é humano.



Segundo nossa brilhante amiga Clarinha, frenemy é aquela pessoa que fica botando defeito na roupa, no namorado e na vida da outra, com a desculpa de querer ajudar.  A atriz Mônica Martelli, ensina:



 - Existem estratégias infalíveis para afastar uma frenemy.  Eu sempre conto bastante desgraça para essa pessoa.  Para ela, minha vida nunca vai decolar e ficar maravilhosa, por se tratar de alguém que, no fundo, tem uma invejinha da gente.  Uma frenemy não quer apenas o que você tem, deseja que você não venha a ter.  Já a atriz Alexia Dechamps, se afasta quando sente uma vibe  próxima:



 - Comigo, só sacaneia uma vez.  Minhas amigas são confiáveis.  Eu quero de volta tudo que ofereço num relacionamento.  Dona do sex shop Sexy Delícia, Erica Rambalde também já foi frenemizada:



 - Para mim, as frenemies americanas são, na verdade, as velhas traíras brasileiras...



Mas, não pensem que ter um frenemy na vida é privilégio das mulheres.  Rodrigo Penna, criador da festa Bailinho, sabe bem disso e tenta se blindar:



 - O melhor modo de lidar com frenemies é cuidar do meu próprio jardim.  Como já dizia meu pai, “o que é do homem, bicho nenhum come”.



Ricardo Bräutigam, da Auslander, acha que a única maneira de se defender de um frenemy é transformá-lo em friend (amigo), novamente.  Isso é possível?  O produtor e diretor Cláudio Botelho sabe que tem alguns frenemies sempre prontos para atacar:



 - É gente que se acha seu melhor amigo, mas adora e sente prazer em dar notícia ruim.  Penso que, às vezes, a própria pessoa nem sabe que é um frenemy.  Quando eu recebo um torpedo assim, finjo que não recebi, pois passar recibo torna o infeliz realizado, feliz.



A psicanalista Hedilane Coelho, explica que o frenemy representa a “amizade tóxica”, que diminui a força de ser e da reação do outro:



 - Os frenemies, funcionam como uma droga.  No início, o prazer, a festa, a satisfação, depois a dependência silenciosa que leva a querer mais.  E, a seguir, o sofrimento, a pessoa imersa num viciado círculo vicioso, por ele dominada, difícil de sair.  É como canta Caetano Veloso:



 -  “Você é minha droga, meu bem, meu mal...”



Voltando ao Cláudio Botelho:



- Gente assim não é friend (amigo) coisa nenhuma, apenasmente enemy (inimigo). O melhor termo em bom Português para definir frenemies, é: urubus!



* maucaratismo –  Desprovido de bom caráter.  Atenção Ronaldo José de Almeida: inventei mais uma!  Anota aí.



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