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Quinta-Feira,15 de Maio

Filhos da injustiça

Jornal O Norte
Publicado em 08/07/2009 às 10:33.Atualizado em 15/11/2021 às 07:03.

Felippe Prates



Já fomos pai, quando nossa irmã, ainda menina brincava com bonecas e sonhava com uma casa cheia de filhos.  Já fomos pai das nossas amigas e dos nossos amigos, que acalentamos em seus piores momentos e lhes estendemos as mãos, quando de nós precisaram.  Já fomos pai dos nossos irmãos, defendendo com unhas e dentes a irmã, se injustiçada. Já brigamos juvenil e ferozmente no tapa, em nome de idéias e de ideais, incondicionalmente, pelas nossas amizades.  Até em sonhos, já fomos pai de muitos meninos de rua a quem, na Faculdade, bem acordados, ajudamos a mudar seu destino de crianças e adolescentes em conflito com a lei.



Na escola pública, aprendemos a língua do “pê” com os colegas pobres, ouvimos tristes depoimentos e nos emocionamos com suas histórias sem um final feliz.



Tantas vezes já escrevemos sobre crianças abandonadas, sobre as vítimas das intoleráveis desigualdades sociais.  Já nos sentimos pais dos menores da extinta Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem).  Já choramos com eles, já remexemos as feridas da sociedade e, incompreendidos, por burrice, insensatez, insensibilidade social  conveniência ou tudo isso junto, ao incomodá-los comemos o pão que o diabo amassou.



Por levantar essa bandeira, já nos tacharam até de comunistas!  Logo nós, capitalistas assumidos, velhos tubarões do ensino, especialistas em Skakespeare, hábitos sofisticados, indiferentes à vodka mas extasiados sorvedores das cachaças Havana e Boazinha, da querida Salinas-MG,  esta sim, pelo seu néctar dos deuses, cidade patrimônio cultural da humanidade  –  o Olimpo Brasileiro!  Como segunda opção, last but not least, só bebemos “scotch” 12 anos, cujo, thanks’ God, nunca nos faltou!  Disconjuro, pé de pato, mangalô, 3 vezes!  Toc, toc, toc! Vade retro, Satanás!



Por suposto, como diria o maravilhoso argentinoBorges, comunista é a mãe!



Já fomos pai de Janaina, sem que ela nunca soubesse disso, a menina abandonada adotada por um casal de italianos, hoje uma moça em pleno esplendor, porque foi tratada como gente, recebeu deles cuidados, amor, atenção, orientação segura para a vida. Já fomos pai até de antigos amores e também de filhos de amigos que até hoje nos têm na mais alta conta, comprovadamente, pois ainda nos pedem ajuda.  Já fomos pai dos oprimidos, botando a boca no trombone, gritando por eles, sempre que trombávamaos com atitudes injustas!



Já fomos até pai da nossa própria mãe, por algum tempo! Em lágrimas, até hoje, 40 anos depois, vemos que essa maravilhosa realidade durou muito menos do que desejamos.  Quando adoecia, sempre nos voluntariávamos para ser o seu acompanhante. Mamãe aceitava, por não ter como recusar mas, queridíssima, refinada, gentil, até se mostrava feliz e nos elogiava além da conta mas, sem prejuízo da autenticidade, dizia, a sorrir:



- Meu filho, você é um amor, cheio de qualidades, um anjo, ótimo em tudo, só não serve para “damo” de companhia.  Seus roncos matam o doente de insônia...



Mamãe não nos deu o tempo suficiente para sermos o sol do seu entardecer. Deixou-nos



muito cedo, antes, muito antes que amanhecêssemos ao seu redor.



Que saudades!



Fomos pai até de quem já nos esquecemos. Mas, agora, depois que nos tornamos pai e avô biológicos de uma dúzia e meia de lindas criaturas, achamos que é superdifícil ser nosso filho. Precisamos que mães nos ensinem essa difícil missão de gerar, criar, educar e dar educação aos filhos. Certamente, não daríamos conta de sermos nossos próprios filhos.



Novos tempos, insensatos, terríveis!



Hoje, assiste-se a assassinatos de adolescentes pelos próprios colegas de prisão, devido à superlotação.



Vivemos, caro leitor, numa sociedade que endureceu, que joga os próprios filhos pelas janelas dos apartamentos!



Uma sociedade que permanece de olhos vendados, pés e mãos amarrados, em que ninguém grita ou protesta, e que, desumana e desenvergonhadamente todos se calam e se escondem dentro do sepulcro de suas pífias vidas, emboramente inúteis, desconhecidas e insignificantes!



Referência:  Jornal “Estado de Minas”.


Falem-nos: felippeprates@ig.com.br

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