Antônio Augusto Souto
Era dia de festa, no vilarejo serrano. A rua única estava enfeitada, inteira, por bandeirolas ingênuas e barraquinhas de feira.
Chegamos, no exato momento em que repicava o velho sino da igrejinha antiga, convidando para a missa episcopal do Divino.
Chegamos, porque Zezé era o imperador e bancava a festa. Convidou-nos com antecedência e, na véspera, insistiu que fôssemos. Fiquei pensando: sessenta quilômetros de poeira, subidas e descidas de dar medo, cerveja quente, cachaça curraleira e churrasco de carne de pescoço...
Mesmo assim, topei o convite. Afinal, falou mais alto a curiosidade de ver o amigo vestido de rei. Fui com a patroa, o sogrão, a sogra e o concunhado Airton, que estava livre de sua oposição. Ela, na última hora, desistira.
A missa do senhor bispo demorou horrores. A igreja estava cheia e não suportava mais nem uma nesguinha de alma. Ficamos em pé, sob o sol de quase meio-dia de um domingo de agosto.
Eta pessoalzinho preguiçoso! Por que não plantaram, ao longo da comprida rua única, um renque de mangueiras, para fazer sombra e alimentar os passarinhos?
Finalmente, o sino voltou a repicar, querendo dizer “Ide em paz! Que o Senhor vos acompanhe!”. Deo gratias!
As pessoas que saíam da igreja formavam alas, a partir da porta. E eis que surge Zezé, paramentado de D. Qualquer Coisa: manto de cetim vermelho e coroa de latão. Sorria, mostrando quinhentos dentes. Com as mãos enluvadas, segurava o cetro, que tinha a forma daquela pombinha branca, simbolizando o Espírito Santo e, ao mesmo tempo, reafirmando seu poder monárquico.
Houve foguetório, vivas e revivas, quando o cortejo iniciou seu desfile real.
Ao nos ver, no meio do povo, batendo palmas e rindo, acho que o imperador ficou meio sem jeito, sem saber onde esconder as luvas brancas e a pombinha que segurava.
Nisso, chega caminhão Skol, cheio de enormes caixas de isopor. O cortejo logo se desfaz em filas, para beber espuma em copinho de plástico. Chega também carroça, trazendo dois ou três barris de madeira enegrecida. Logo se instala uma torneira e nova fila se forma.
Pensei: é muita cachaça. Para embriagar aquela fila e mais outra e outra, bastaria meio barril.
Quanto à fila da cerveja, esta continuava crescendo. Muitas pessoas já bebiam em canecas, tulipas e jarras que, certamente, foram buscar em casa.
Pensei outra vez: se não derem de comer a esses beberrões, o vilarejo serrano, antes do fim da festa, vai passar de Bagdá.
Fomos para a casa do festeiro, que nos esperava, sorridente e livre da fantasia de rei. Serviram-nos cerveja gelada e um uisquinho maneiro.
À tardinha, quando voltávamos para casa, forrós rolavam soltos, na poeira.
Último pensamento: apesar do grande número de automóveis e da exótica presença de helicóptero pousado em lote vago, eu acabara de participar de autêntica festa roceira. Festa de alegria, festa dos que são simples e têm o coração puro.
P.S.: Este arremedo de crônica quis relembrar José Bicalho Noronha, que morreu, faz pouco tempo, em acidente estúpido. Quis, ainda, recordar Geraldo Durães Veloso, o sogrão que, faz muitos anos, mora na eternidade mas habita meu coração.