Eles eram felizes e sabiam

Jornal O Norte
Publicado em 01/07/2010 às 09:41.Atualizado em 15/11/2021 às 06:31.

Alberto Sena


Jornalista



Iniciativa boa essa de Geraldo Maurício – Nenzão – ao organizar o livro Éramos felizes e sabíamos, no qual ele reuniu 18 autores, 19, com ele próprio, a fim de registrar para sempre uma época, sem saudosismos, quando o viver em Montes Claros era menos perigoso do que nos dias atuais.



Meses antes do lançamento, em Brasília-DF e Belo Horizonte, soube do livro em fase de edição, por intermédio de Murilo Antunes, depois da publicação do texto Era feliz e sabia no montesclaros.com. Ao lê-lo, Murilo enviou uma mensagem me informando da iniciativa de Nenzão.



A coincidência, e isto o amigo, poeta e letrista de belas músicas, destacou: era o título do texto. O meu, publicado no dia quatro de março deste ano de 2010, estava no singular e o do livro no plural. Título que ele próprio dera.



Mas, como dizia, a iniciativa foi das melhores, até mesmo pelo fato de ser uma publicação com características próprias, diferente das coletâneas de textos publicadas aqui e alhures.



Sei que foi uma tarefa hercúlea por vários motivos, e o principal deles é a dificuldade para publicar alguma coisa neste País, a começar pelos custos de edição e sem falar da preguiça mental que assola principalmente os mais jovens nos dias atuais quando a internet avança sobre potenciais leitores que preferem os joguinhos, os ‘orkuts’ e os ‘msns’ da vida a ler livros.



O livro chama a atenção pela diversidade de textos. No mínimo é uma provocação para cada um dos autores a continuarem escrevendo e estimulados pelo gosto de publicar alguma coisa, quem sabe, possam desovar um livro de contos ou um romance que porventura esteja engavetado por puro rigor de autocrítica.



Outra coisa é o fato de a publicação ratificar aquilo que Minas, o Brasil e o mundo inteiros sabem: Montes Claros é terra de cultura literária forte como forte é o pequi. Tem sabor, cheiro e embala o espírito de quem confortavelmente senta numa poltrona para viajar ao passado, mesmo sabendo que o passado nem o futuro existem. Real mesmo é o aqui e agora.



Montes Claros que gerou um Cyro dos Anjos, um Darcy Ribeiro e outros nomes importantes das artes de modo geral, não podia deixar de produzir novos valores, sempre, porque a roda da vida não para.    



Ademais, é importante para as atuais gerações terem uma referência do que foi a Montes Claros dos anos 60/70 a fim de que possam construir uma cidade mais interessante ainda, para elas próprias e as gerações vindouras.



Digo isto porque observo aqui da janela o quanto um acontecimento atropela o outro no dia-a-dia e a velocidade do tempo, apesar da sua relatividade, aumentou a partir dos avanços tecnológicos. E no mesmo diapasão, a memória volátil das pessoas parece não assimilar os fatos com o mesmo cuidado das mentes mais antigas.



Senão, vejamos: quando a vida transcorria pachorrenta, não se tinha notícias de problemas de saúde como o Mal de Alzeihmer, que, como rato roendo queijo, compromete a memória das pessoas nos nossos dias.



‘Éramos felizes e sabíamos’ é pura memória. Memória de Ademir Fialho, Augusto Vieira, Carlos Lindenberg, Eduardo Lima, Felipe Gabrich, Haroldo Tourinho, Luiz Milton Velloso, Márcia Vieira, Murilo Antunes, Nilo Pinto, Paulo Henrique Souto, Raphael Reys, Ruth Tupinambá, Tião Martins, Juventino (Tininho) Silva, Virgílio de Paula, Walmor de Paula. E, claro, memória de Nenzão.



E por falar em Nenzão, ele ainda conserva, segundo disse-me ao telefone, a fazenda Pequi, do saudoso pai, onde se pode consumir na bica do alambique, uma cachaça que já embriagou toda a turma acima relacionada, o que o público leitor poderá comprovar, por exemplo, no texto divertido de Luiz Milton.



Fui duas vezes à fazenda, a uns quatro quilômetros de Montes Claros, mas sem a companhia de nenhum deles. Numa das vezes, fui com o técnico Bonga, do juvenil do Casimiro de Abreu, no lombo de um cavalo em pelo. Bonga na frente, conduzindo o animal. Não é preciso dizer que cheguei lá com a parte de dentro das pernas escalavradas. Pior foi na volta, pois além das feridas nas pernas, estávamos tontos, menos o cavalo.



Não tenho notícia se o livro foi lançado em Montes Claros. Se ainda não foi, podem esperar, o será. Sinto que os participantes, depois desta provocação, qual músico ao experimentar ‘carreira solo’, cada um deve escrever o seu romance. Espero, portanto, em breve, ter a alegria de ler outros 19 livros.

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