A luta entre o poder da fé e o poder dos bens materiais sempre acompanhou a trajetória da humanidade, mas, por mais que as histórias, bíblicas e do cotidiano, acompanhem a formação individual e coletiva de povos de todo o mundo, é impossível não parar para refletir cada vez que se vê alguém levar a cabo decisões que impliquem escolhas desta natureza.
A venda da rede de supermercados Bretas para o grupo chileno Cencosud talvez seja umas dessas histórias. No último mês de outubro, o grupo chileno fechou acordo no valor de R$ 1,35 bilhão com a rede Bretas, que possui 70 lojas, 15 postos de combustível, uma construtora, três shoppings centers, dois hotéis em construção, 12 mil empregados e faturamento estimado de R$ 2,5 bilhões em 2010, nos estados de Minas Gerais, Bahia e Goiás, ocupando a quinta posição no ranking brasileiro de supermercados.
O grupo varejista chileno que venceu a acirrada disputa pela compra do Bretas já é dono do GBarbosa, que tem sede em Sergipe e possui 52 lojas, da rede de supermercados Perini, em Salvador, e dos supermercados Família, de Fortaleza, se configurando como a quarta maior rede varejista do setor no Brasil. A Cencosud também tem negócios na Argentina, Colômbia e Peru.
A princípio, cogitou-se que o motivo da venda seria desavença familiar, mas a explicação do empresário mineiro Estevam Duarte de Assis, presidente do grupo Irmão Bretas não deixa dúvidas de que foi uma iniciativa racional para diversificar o negócio da família.
Negócios à parte, o que chama a atenção na transação é o intrigante projeto de vida do empresário, ponto de partida para a decisão da venda da rede Bretas. Aos 54 anos, depois de 25 à frente do negócio que começou num pequeno armazém em Santa Maria de Itabira, região central de Minas, Estevam diz que tem uma missão divina e, para cumpri-la, ele e sua esposa fizeram um voto de simplicidade.
O casal vive num apartamento de classe média, anda em carro popular, possui guarda-roupa enxuto e limita suas despesas em R$ 4.000 mensais. O ex-presidente do Bretas, que tem aversão à imprensa, diz que “quanto menos a gente precisa, mais livre a gente é”, e que sua missão ninguém entende direito.
Estevam diz que teve sua vida modificada pela terapia criada pela psicóloga e pesquisadora Renate Just de Moraes, que usa o método Abordagem Direta do Inconsciente. Há dez anos, o empresário vem disseminando a terapia entre os familiares, empregados e para padres e freiras. Seu objetivo é formar 40 terapeutas que falem línguas estrangeiras para trabalhar na igreja católica fora do Brasil, projeto que banca de seu próprio bolso.
Em virtude da prática religiosa de Estevam, 10% do faturamento da rede Bretas era doado à igreja, a título de pagamento de dízimo. O voto de simplicidade feito pelo empresário também inclui a doação à igreja de praticamente todos os rendimentos que recebia, até então, pela participação no grupo.
O Bretas se desfez dos negócios, mas preservou os imóveis do agora denominado grupo São Francisco, agora alugados ao grupo chileno. O São Francisco vai receber 1,5% do faturamento da rede vendida. Estevam permanece no grupo, agora como presidente do conselho de administração, mas dedicará apenas duas horas por dia aos negócios, sem receber remuneração pelo trabalho. No resto do tempo, abraçará a vocação monástica e se entregará às obras sociais.
Histórias como esta são, no mínimo, instigantes, e nos faz refletir sobre como estamos investindo nosso tempo e o que realmente “lucramos” com esse investimento.