Dário Teixeira Cotrim
A nova novela das oito traz um título muito sugestivo: Duas Caras. Em vista disso a mídia apressou-se logo em informar para o grande público que o roteiro se tratava da vida dupla do ex-ministro José Dirceu. Entretanto, num primeiro momento, a ex-amante do retratado, Clara Becker, com quem ele viveu clandestinamente de 1975 até o ano de 1979, no interior do Estado do Paraná, critica severamente o autor da novela (Aguinaldo Silva), sobre o projeto global então apresentado. Há certa apreensão de que viesse revelar as possíveis maracutaias do seu ex-amante. Disse ela, em carta enviada à mídia, que o José Dirceu apenas “escondia sua verdadeira identidade da família por estar vivendo como clandestino por conta da ditadura”. Mas não é assim o que pensa Diogo Mainardi, Afonso Prates Borba e Eu com o nosso jeito debochado de escrever crônicas políticas.
Por um lado eu acho que entendi muito bem a mensagem de Becker. Certamente que a ex-amante do ex-ministro José Dirceu quer aparecer na mídia – assim como fez a musa do parlamento: a gloriosa Mônica Veloso – para depois ser convidada a pousar nua nas páginas centrais de Playboy, a Revista do Homem. Não, a Clara Becker não vai conseguir o seu intento. Com a idade avançada - 66 anos - é provável que os editores da revista sequer vão avaliar a sua pretensão. Mas a exploração explícita da vida política do seu ex-amante, esta será inevitável, uma vez que interessa para todos nós a divulgação de suas mazelas e de seus negócios escusos. A insinuação tendenciosa apresentada em Duas Caras poderá servir de punição ao ex-ministro e aos seus seguidores. A justiça brasileira, que é subserviente à vontade dos poderosos, e que nada pode fazer até então para punir os corruptos políticos, está assistindo a televisão fazer o seu papel.
Mas, por outro lado, o ilustre roteirista Aguinaldo Silva ainda afirma que “é claro que Adalberto Rangel não é José Dirceu, assim como Maria Paula não é a ex-esposa dele. Um ficcionista sempre se inspira em fatos reais que ele viveu, ou dos quais ouviu falar. Eu estou falando de um personagem que criei e cuja vida é de minha inteira imaginação e responsabilidade”. Ah, mestre Aguinaldo, a ficção global (de Dalton Vigh) está fazendo das Duas Caras uma história verdadeira (de José Dirceu). Isso lá é verdade!
Pensando bem, sequer o Dirceu mereceria ser retratado em uma novela da TV Globo. Entretanto, como os noveleiros gostam muito de bisbilhotar a vida do alheio, nada melhor do que a novela para levar ao grande público a história verdadeira sobre a vida dos políticos corruptos. Necessariamente será preciso incluir neste roteiro o laço de amizade que une Dirceu o presidente Lula. Aliás, motivos não faltam para os novelistas escreverem as suas obras literárias. Agora mesmo o fragilizado Senado Federal foi deselegantemente explorado na novela Paraíso Tropical, de Gilberto Braga, para ironizar o Conselho de Ética. A prostituta Bebel (Camila Pitanga) foi comparada com a Mônica Veloso pelo o seu envolvimento com o senador Renan Calheiros, com quem o peemedebista teve uma filha fora do casamento.
Duas Caras veio para retratar os políticos brasileiros. Renan Calheiros e José Dirceu, a bem da sociedade, deveriam estar presos, atrás das grades de uma penitenciária de segurança máxima para que assim, os outros políticos começassem a se preocupar com o futuro de nossa nação. Quando as novelas nos mostram a existência da pobreza nas periferias das grandes cidades, os altos índices de criminalidades nas ruas destas mesmas cidades e a fome que avança, impiedosamente, contra a população mais necessitada, elas nos mostram com clareza a verdadeira situação em que se encontra o sofrido povo brasileiro. Na política é a mesma coisa. Existe uma podridão infectando o Congresso Nacional que as novelas devem mesmo explorar com o aval de toda a população. Até porque é isso que dá ibope.