O Brasil fundiário dá lugar ao Brasil metropolitano. Mais de dez por cento de todo o dinheiro que circula no território nacional faz trajeto na cidade de São Paulo e vinte e cinco por cento do PIB se aloja na economia das capitais. Vencido está o tempo dos coronéis, quando tudo se fazia à luz de seus desejos, do batismo ao casamento. E terra não havia que a vista pudesse alcançar, tudo de um só dono, filho de fulano e neto de beltrano. As terras tupiniquins eram glebas herdadas.
Hoje há um novo senhor, o dinheiro, que se mede em volume e os novos coronéis têm muito alqueire de pecúnia e ao invés de casa grande têm bancos. É fato e as grandes cidades fomentam diferenças, outras tantas, senão as do passado que dividiam em dois os desiguais: donos e servos. Agora há mais camadas sociais, mas análises nuas de ciência outras se identificam além de rica, média e pobre.
Há, por exemplo, o desvalido. Desvalido não tem o que comer. É o extrato social onde habita a falta de piedade, a indiferença oficial. Já o pobre come. Come mal, mas come. Há os que comem farinha e rapadura. Outros tomam água suja e fazem cocô em privadas de tum. Os meninos ficam barrigudos e catarrentos; esta paisagem é nítida.
Depois tem o pobre do chão batido, o pobre que tem asseio, limpa panelas com bucha e areia e as panelas brilham. E comem feijão e arroz - sem carne - com verdura. Fazem bife de berinjela ou de retalhos. Domingo, sarapatel. Depois tem o pobre com televisão. Marido faz biscate, bebe no bar da esquina, paga por mês e é pré cirrótico. Mulher faz faxina e bate nele. Menino tem escola perto e chinelinho de dedo. Pode-se uma prestação e ir ao posto de saúde e, quando chega eleição, emprega filho adolescente.
Mora longe, pega dois ônibus e tem carnê das Casas Bahia. Sonho, DVD. Planos, ir para os Estados Unidos, pelo México, ou participar do Big Brother. Tem ainda o pobre remediado, com carro de dez anos, um Chevette limpinho. Filha mais velha fez um book e tem um vereador que vai encaminhá-la pra ser modelo. Mulher acompanha novela e adora canções de amor. Romântica, não se esquece da juventude e nos devaneios aspira Gianechinni.
- Nesta escalada, a gente vai criando um país de mesclas, um país sem cara, um país vário, desigual e ainda sujo
Acima tem outra categoria: pobre que lê Caras e sonha com o glamour. Faz dívidas demasiado e vai a shoppings. Depois vêm o quase rico, o médio rico e o novo rico, que encomenda notinhas nos jornais pré-pagos.
Nesta escalada, a gente vai criando um país de mesclas, um país sem cara, um país vário, desigual e ainda sujo, no qual os ricos se escondem, os ricos se calam com medo da periferia. Os ricos erigem muros. Os ricos alimentam os cães, fazem escova japonesa e se disfarçam, passam longe, cheirosos e profiláticos. Logo irão para Miami.
Por fim há os que vivem no limite e comem filé fim de semana. Tomam cerveja e uísque oito. Têm carro novo, mil. Saem incógnitos e pagam as contas. Uns brasileiros pés rapados, uns ninguém, todos sorridentes e felizes, cidadãos que conseguem andar pelas ruas, ir a muitos lugares e fazer amigos nos diversos nas várias categorias. Medo maior é cartão de crédito, quitado no mínimo, e o voraz cheque especial. No mais é um ser megalópico, aditivado, movido a gás carbônico. Endividado e quase extinto.
(*) Eduardo Lima escreve às quartas e sextas feiras