José Wilson Santos
zewilsonsantos@hotmail.com
- Ei, psiu. Moço! Comé cê chama?
Eu?
É, você mesmo!
Zé. E você?
Ana Beatriz. Tenho cinco aninhos -- mostra ela espalmando a mãozinha.
Tenho uma netinha quase da sua idade. Só que ela é moreninha. Chama Giullia.
Hum. Eu não tenho netinha não. Só um irmão. Ele chama Diogo. Você tem um irmão?
Não. Mas tenho uma irmã. Chama Viviane.
Hum. Irmã eu não tenho não. Só um irmão. Você é velho, não é?
Eu? Não. Sou experiente.
Hum. Meu vô também é experiente. Ele também tem cabelo e barba branca. Ele não importa que eu chamo ele de vô, não. Minha vó não gosta. Ela fala pra eu chamar ela de titia. Você também tem titia?
Não. Mas gostaria de ter.
Pra ela dar bala pra você?
É. Ganhar bala é bom, não é?
É. Mas minha mãe não gosta de mim dar não. Ela diz que quem come muita bala vai pro dentista. Você tem medo de dentista?
Tenho.
Eu também. Uma vez ele mexeu no meu dente, sabia?
É mesmo?
É mesmo. Faz um barulhinho...
Sua mãe tá certa. Bala e chiclete são meio caminho andado pro dentista.
É... Que qui é meio camim andado?
Assim... É mais fácil ir pro dentista...
Ah... Eu não gosto de dentista não. Você tem medo de bicho papão?
Tenho...
Eu também. Minha mãe disse que ele fica embaixo da cama e que a gente não pode levantar de noite, senão ele puxa a gente pelo pé.
É. Dizem que ele fica embaixo da cama mesmo...
Você já viu um bicho papão?
Não. Você já?
Já não. Quando eu fico com medo de noite eu chamo meu pai. Você chama o seu pai?
Não. Mas já chamei minha mãe.
Minha mãe eu não chamo não. Ela briga.
Ah!...
Minha mãe tá chamando. Tchau, moço!
E lá se foi a pequena Ana Beatriz correndo pela grama da praça, para os braços da mãe, uma moça loira e tão bonita quanto ela. E eu fiquei a pensar, cá com os meus botões, como a vida fica ruim à medida em que as coisas melhoram.
No meu tempo não havia praças assim, onde a gente, criança, pudesse se esbaldar, puxar conversa com circunspectos senhores num dia de domingo.
Não é de encafifar, índio velho? Naquele tempo, que era seguro uma criança puxar conversa com um senhor circunspecto, não tinha praça. Hoje tem praça e não é seguro uma criança puxar conversa com um senhor circunspecto.
Minha filha Renata vive repetindo pra Giullia: - Giullia, não pode conversar com gente estranha, tá me entendendo? Não pode, é perigoso! Não saia de perto da mamãe, nunca, tá entendendo?
Giullia, com seus três aninhos e pouco, faz que sim e desembala na carreira num átomo de segundo. E a gente, atrás dela. O vozão aqui já engrossou as coxas e firmou as batatas das pernas, de tanto correr atrás da elétrica Giullia, que não arria a bateria nunca. É preciso ficar de olho sempre.
De fato, hoje é perigoso até levar os filhos para brincarem na pracinha. Raios, pra que diabos serve um progresso assim?
Respostas pro email do Degas aqui.