Dívida social e moral com os negros

Jornal O Norte
Publicado em 22/02/2008 às 10:31.Atualizado em 15/11/2021 às 07:25.

Ali Kamel


O Testemunho da Fé



Cresce a consciência da dívida social e moral que a Nação e o Estado brasileiro têm  com os negros, descendentes dos escravos. A República, ao ser implantada, não executou o projeto da monarquia em doar terras ao longo das estradas de ferro aos que foram libertos pela áurea, assinada pela princesa Isabel. Simplesmente omitiu-se, abandonando-os à própria desventura. Sem terra, sem escolaridade e sem nada, os negros foram obrigados a viver em favelas e a executar, até com heroísmo, serviços e trabalhos conforme as mínimas possibilidades de sua condição social, ou a cair na marginalidade do vício, do ócio ou da contravenção. Aumentaram o contingente de empobrecidos, brancos e mestiços. Assim se exacerbou a divisão de classes na qual se constituem, ainda hoje, os pobres mais pobres. O problema se agravou pela concentração de renda devido aos baixos salários e o processo inflacionário que acompanhou nossa economia durante todo o século XX. No entanto, salvo exceção, muitos conseguiram ascender, através do esporte e da arte. Esta breve explanação do fenômeno social é causa e efeito, num círculo vicioso, da pouca presença do negro nas instituições de ensino médio e superior, pois entra no ensino básico em grande desvantagem. Tais considerações prescindem de outras variantes importantes como o racismo, explícito ou velado, e a desestruturação familiar devido à escravidão e sua seqüelas como abandono das crianças negras pela lei do ventre livre. Trata-se de uma série vergonhosa de erros, equívocos e omissões. Portanto, o problema é estrutural. Há tempo compromete nossa democracia e cidadania.



A desigualdade atinge o negro de modo mais evidente e cruel, mas diz respeito à maioria dos assalariados que não tem acesso aos bens necessários que não tem acesso aos bens necessários da vida justa e digna, e passa pelas oportunidades de ensino. No que toca à sociedade que desejamos, o olhar sobre a realidade mete o dedo na ferida da desigualdade social, da concentração da renda e da riqueza. Portanto, da exclusão. No que toca à educação, o olhar propõe a prioridade em todos os seus níveis: o ensino público qualificado e acessível a todos para se chegar à Universidade ou Escolas Profissionalizantes; a quantidade e a qualidade do profissional de ensino e sua justa e condizente remuneração. Portanto, à competência.



O debate sobre cotas de negros em colégios públicos e universidades não pode prescindir do quadro social acima exposto. Não bastam cotas. Se o critério para o ingresso for apenas cor da pele, certamente teremos outros problemas. Ou cairá o nível do ensino ou se acentuará o desnível, frustrando o desejo e a expectativa do próprio negro, que não poderá acompanhar os colegas, ou, pior, teremos profissional de segunda categoria se houver a avaliação amenizada. Por isso, o critério, caso haja cotas, terá que ser fundado na avaliação de conhecimentos e aptidões. A propósito, há que se estipular a nota mínima para o ingresso. Volta, então, a questão para a escola com aprendizado e a avaliação do aluno, o corpo qualificado de professores, a pedagogia, o conteúdo e o tempo do ensino.



O positivo da discussão sobre as cotas, para quem é a favor ou contra, é a colocação do problema social da Nação, que inclui o projeto amplo de um Brasil a ser construído, a partir das lideranças de todos os setores e a população em geral, em fundamentos firmes de uma verdadeira democracia. A autêntica sociedade democrática se funda em bases sólidas da justiça e da eqüidade. Elas exigem oportunidades para todos em igualdades de condições. É urgente aumentá-las para que, em futuro próximo, não necessitemos de cotas para ninguém.

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