Marcelo Valmor
Professor universitário
O Cine Ypiranga, localizado na Rua Melo Viana, no bairro Morrinhos, pertencia a meu avô, José Paculdino Ferreira Filho, antes dele entrar em uma grande negociação com a família Ribeiro, e que daria início a uma das mais sólidas companhias de cinema do interior mineiro nos anos de 1980. Estou falando da empresa Cinemas do Norte de Minas Ltda.
E o negócio, tão rendoso à época, rompeu os muros da cidade e se estabeleceu em praticamente todo o norte mineiro. Janaúba, São Francisco, Salinas, Pirapora, eram algumas da praças mais rentáveis.
O tempo passou, o vídeo cassete surgiu, o romantismo do cinema cede lugar, tardiamente na cidade, à transgressão dos valores, e os dramas, comédias, aventuras e terror cediam lugar, cada vez mais, a uma vida mais livre e, por isso mesmo, feita de ação, que o cinema mostrava, mas que só se realizava pelos jovens no campo simbólico.
Vários personagens fazem parte desse imaginário que envolve o cinema local. E, sem dúvida nenhuma, Jacó é o mais representativo deles. Digo isso porque era pau pra toda obra. Buscava filmes na rodoviária, servia de porteiro, era operador de fitas, e só recusava a trabalhar na bilheteria, pois tinha dificuldades para entender todo aquele numerário.
Como a história da própria empresa se misturava com a dele, era natural que, além de ser reconhecido como operário padrão, os problemas provenientes da exibição das fitas recaíssem sobre ele também.
Otávio Silveira, que representava a cota dos Ribeiros dentro da sociedade (o outro era Wellington Lima Ferreira, e que respondia pela parte dos Paculdinos), tinha dificuldades em lidar com um operador que trabalhava no cine Ypiranga. Pelé, como era chamado, exigia ser demitido, pois recebera uma proposta de emprego melhor e não estava disposto a renunciar a uma indenização razoável que teria direito.
Otávio Silveira, zeloso com a empresa, resolveu cozinhar o galo em fogo brando, até que Pelé tomasse a iniciativa de pedir a demissão.
Todo filme que Jacó levava ao Ypiranga era encaminhado com um recado de “Seu” Otávio para que Pelé pedisse demissão. Como a disputa de braços não se resolvia, Pelé tomou uma medida drástica: passou a exibir as fitas do fim para o início, quando não o fazia de cabeça para baixo, numa medida extrema e de olho na gorda indenização.
O público presente ao cinema, sem entender o enredo do filme, e desconhecendo a queda de braço entre Pelé e Otávio Silveira, protestava sempre com o mesmo bordão: “-devolve meu dinheiro, Jacó ladrão!”
Quanto à queda de braço, é fácil constatar quem fora o vencedor.