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Quinta-Feira,19 de Setembro

Crise na mídia: Candidatos com eleitorado em abstenção?

Jornal O Norte
14/12/2009 às 10:07.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:20

Sandrine Lage*

Integram um centro de informação em vez de uma redação. Privilegiam a cobertura de “tópicos”, em detrimento de furos jornalísticos. Face a “uma nova ruga numa história antiga”, um diário americano opta por não despedir repórteres, mas sim por integrá-los num plano de reestruturação.

O corte no pessoal do The Journal News (um diário de Westchester, propriedade de Gannett), tão comum no atual contexto, não é mais notícia. Já a fórmula da equação, proposta por esta mídia suburbana é uma idéia de vanguarda no setor, como descreve David Carr, jornalista, num recente artigo do New York Times. As 288 pessoas da equipe editorial e comercial receberam a notícia de que a reestruturação implicaria deixar 70 pessoas sem emprego. A solução do diário de Westchester? Sugerir à sua equipe recandidatar-se (e justificar a sua função ou outra) ou despedir-se. Não é à toa que a maioria dos workshops de empresas de gestão de pessoas sublinha o foco nos talentos e nos melhores profissionais.

Os tempos de crise obrigam a uma operação cirúrgica de custos e investimentos. Justificar o salário que se ganha, os benefícios de que se goza, ou a formação que nos valoriza, passará a ser um exercício em expansão. Assim como aprender a viver na incerteza. A mesma crise que exige aos profissionais de hoje questionarem por que merecem ser os empregados de amanhã, não é um anúncio restrito aos jornalistas, editores ou comerciais. Também é um grito de alerta a administradores e gestores.

Em toda época de crises, ou entre crises, adicione-se ao aviso - no caso da mídia – a fórmula gasta da concessão do lado editorial aos grandes anunciantes (que agora mais se assemelham a uma espécie em vias de extinção). Uma prática que tanto “beliscou” a credibilidade dos leitores / da audiência em geral. “Como equilibrar a lógica comercial com os valores?” é uma das questões que se repete num fim anunciado da ditadura dos anunciantes.

Quando todos, sem exceção, começam a ter de justificar a sua existência (no mercado) “num mundo a encolher”, a crise abre as portas à regeneração. Não se pode esperar resultados diferentes recorrendo à mesma fórmula (Einstein), ainda que, aparentemente, a mídia em geral acredite num happy end quando opta por permanecer de costas voltadas à inovação ou por adiar apostas em novas soluções. A síndrome de cegueira é semelhante ao que sentimos face ao petróleo. Ainda que para sair desse estado de hipnose bastasse espreitar o que de melhor se faz nessa área (veja-se o caso do The Guardian). O diário britânico mantém simultaneamente a presença da imprensa com investimento que implica a ausência de recursos extra. Contudo, não abre mão de ingredientes como: reputação de inovação; qualidade; confiança; integridade e recursos para apostar em matérias exclusivas.

A tradição já era?

A mídia, especialmente a imprensa, perdeu-se entre o seu papel informativo – que acaba por ser educacional - e a sua natureza empresarial. Mesmo se as boas notícias não são notícia, o momento constitui a oportunidade de assumir um novo protagonismo no século XXI: o de força indispensável para a transformação. A posição de veículo de uma nova consciência na consolidação de uma nova sociedade pertence, antes de mais nada, a este setor, pelo seu poder de influência. Como bônus,  pode (e deve), ainda, recuperar um papel de vanguarda. A quem mais cabe praticar o exercício de desformatação e apostar na inovação e conquistar um lugar ao sol num mercado que ameaça privilegiar a abordagem de menos e melhor? O declínio do lucro é um fato comum que atravessa o mundo ocidental. Contudo, ao contrário de outros negócios ou setores, o preço de uma possível extinção da imprensa, em particular, pode ter um preço demasiado elevado: o declínio da democracia.

Fim da imprensa = fim da democracia?

Entre as conseqüências do encerramento de jornais na comunidade em geral, encontram-se a descida de participação eleitoral, a diminuição do número de candidatos aos vários sufrágios e o aumento de políticos reeleitos, como confirmam diversas pesquisas e conclusões de estudos, como os da Universidade de Princeton (2008).

Já os congressistas com cobertura mediática inferior registram menor disponibilidade para a comunidade e o investimento do Estado é menor em áreas cujos representantes não cativam a atenção dos jornais, conclui o estudo do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e da Universidade de Estocolmo.

No fundo, menos informação conduz a um maior desinteresse da população sobre a vida cotidiana e a forma como é governada. De modo que o papel da imprensa na construção da democracia e na garantia da liberdade de expressão é aparentemente insubstituível. Tal como a contribuição da mídia em geral como veículo de uma nova consciência e, simultaneamente, como participante ativo e exemplo de referência no movimento de responsabilidade social empresarial, a caminho de uma gestão sustentável.  

Sobre Sandrine Lage

Jornalista franco-portuguesa, com formação em comunicação e RSE, concluiu, em 2008, o MSc de Sustentabilidade, na Universidade de Cranfield, no Reino Unido, com a tese “Como melhorar a comunicação da sustentabilidade nos Media”, baseada no case study do diário Britânico The Guardian. É fundadora da organização Sperantia, que lançou o estudo das “Melhores Empresas para Trabalhar” na Europa, por meio da representação, em Portugal, do Great Place to Work Institute, bem como o CSR monitor e o BBC Poll, ao representar projetos da Globescan. Participa atualmente de grupos multidisciplinares de discussão sobre sustentabilidade no Brasil como, por exemplo, “Pensadores Livres” e “Intervozes”. Intervém regularmente na mídia portuguesa e, mais recentemente, na brasileira, como em conferências e palestras para divulgar melhores práticas em Portugal, na Europa, no Brasil e em Moçambique, a convite de instituições (como o Instituto Ethos) e do mundo acadêmico.

* Sandrine Lage é Msc Design for Sustainability (Cranfield), escritora, comunicóloga e pesquisadora das melhores práticas editoriais e de gestão nas áreas de sustentabilidade na mídia.

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