Crimes que não aparecem no noticiário

Jornal O Norte
18/12/2009 às 09:45.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:20

Mara Narciso


Médica e acadêmica do curso de Jornalismo da Funorte

O furto nos supermercados é um tema pouco comentado. Como seria o perfil dos ladrões de prateleiras? Qual idade e classe social? Que aparência teriam? Olham para um lado e para o outro, observam a existência da câmera, veem se estão no raio de ação dela, e achando que não estão, dão o bote: pegam um produto que está ali, tão próximo, e geralmente longe dos olhos dos outros. Pensam: o que tem isso de mais? Ninguém vai reparar. O supermercado é grande, o que significa essa ninharia para uma rede tão poderosa?

Os promotores de vendas, feito formigas levando alimento para o formigueiro, não param de trazer mercadoria. Os produtos estão limpos, bem ordenados, com os seus rótulos virados para o consumidor, naquelas prateleiras atulhadas de coisas, num convite que parece dizer: “me pega e me leva para casa”! O mais caro está na altura dos olhos, o mais barato fora do alcance das mãos. O que é fabricado para crianças está bem próximo a elas. Algumas pessoas não resistem a esse oferecimento.

Os alimentos consumidos indevidamente no salão são adicionados ao preço global das perdas e é obvio que o comprador paga por tudo que se perde. Os olhos dos comilões chegam a brilhar diante da possibilidade de comer furtiva e imediatamente, antes de passar pelo caixa. Os mais ricos são os mais confiantes de que nada nem ninguém os importunarão, ou os impedirão de comer sem pagar. Os avisos estão lá: “evite constrangimentos, não coma antes de passar pelo caixa”; ou “caso queira degustar algum dos nossos produtos, fale com o vendedor”. Inútil. As pessoas são mal educadas, e se fingindo de famintas avançam ávidas sobre o pão quente, o produto mais fácil de ser vendido.

Uma pessoa de posses pode estacionar o carro no andar de cima, e entrar no supermercado para furtar. Sabe que tem a câmera, então é ainda mais emocionante se arriscar. Quem acompanha o movimento dentro do supermercado entende que a melhor maneira de evitar o furto é a prevenção. Nunca acontece uma acusação, com imagens, sem uma adequada checagem, uma certeza absoluta. É preciso esperar a passagem pelo caixa e o não pagamento do produto para ser feita a acusação. Apenas pegar e esconder algo no corpo não significa que não vai haver pagamento. Assim, a vida dos vigilantes é mais difícil do que parece. O ladrão tem obrigação de negar, mesmo diante de todas as evidências ou provas registradas. E na tentativa de convencer quem o acusa, diz que não fez nada, e se insistirem, o suspeito, até mesmo com arrogância, ameaça processar o estabelecimento.

É comum pessoas bem vestidas levarem coisas sem pagar. Nem imagino o que devem dizer quando são pilhadas no ilícito. Com que cara ficam? Como a TV aberta não está presente, não escondem o rosto, como fazem os meliantes que são pegos no ato e não querem ser reconhecidos.

Estudantes em grupo costumam ficar corajosos e podem furtar, com mais frequência, dizem, produtos como maquiagem, ou chocolate, ou até mesmo aparelhos de depilação, daqueles mais caros. Há idosos que se arriscam, mesmo podendo arcar com os custos. Em nome de que? Sabe-se lá! Até funcionários da casa são pegos levando produtos enormes e impossíveis de passar pelo caixa sem ser vistos: um aparelho de TV 20 polegadas, por exemplo. Que desculpas inventar num episódio desses?

A adrenalina liberada durante a transgressão, um claro transtorno de conduta, é semelhante ao que acontece nos esportes radicais, e sem o mesmo risco. O supermercado se cerca, obedecendo às normas do bom-senso, para evitar pagar multas por desrespeito ao consumidor. Furtar objetos de pouco valor - o mesmo crime de levar coisas caras-, causa alguma sensação específica? O que motiva pessoas, aparentemente do bem, a brincar de bandido? Fontes limpas confirmam: a emoção de poder ser vistas no momento do crime é que leva algumas pessoas a cometer tais delitos. A possibilidade de ser pegas em flagrante é a melhor parte do jogo.

Alguém mais vai querer jogar?

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