Corpus Christi, o prefeito e a história

Jornal O Norte
Publicado em 15/06/2009 às 08:12.Atualizado em 15/11/2021 às 07:01.

Everaldo Ramos


Professor de História e Geopolítica e acadêmico do curso de Direito da Funorte



A celebração do Corpus Christi instituída pela igreja católica nos idos do século XIII, para celebrar a presença corporal de Cristo na eucaristia, originou-se quando um sacerdote chamado Pedro de Praga, de costumes irrepreensíveis, vivia angustiado por dúvidas sobre a presença de Cristo na eucaristia. Decidiu então ir em peregrinação ao túmulo dos apóstolos Pedro e Paulo em Roma, para pedir o dom da fé.



Ao passar por Bolsena , enquanto celebrava a santa missa, foi novamente acometido da dúvida. Na hora da consagração, veio-lhe a resposta em forma de milagre: a hóstia branca transformou-se em carne viva, respingando sangue, manchando o corporal, os sanguíneos e as toalhas do altar, sem no entanto manchar as mãos do sacerdote, pois a parte da hóstia que estava entre seus dedos conservou as características de pão ázimo.



Por solicitação do papa Urbano IV, que na época governava a igreja, os objetos milagrosos foram para Orviedo em grande procissão, sendo recebidos solenemente por sua santidade e levados para a Catedral de Santa Prisca.



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Fotos mostram parte da decoração feita pelos fiéis em 2008
. Neste ano, o prefeito Tadeu Leite proibiu a participação dos trabalhadores, ao manter o comércio aberto no feriado de Corpus Christi.



Esta foi a primeira procissão do Corporal eucarístico. A 11 de agosto de 1264, o papa lançou de Orviedo para o mundo católico o preceito de uma festa com extraordinária solenidade, em honra do corpo do Senhor.



Em muitas cidades portuguesas e brasileiras é costume ornamentar as ruas por onde passa a procissão com tapetes de colorido vivo e desenhos de inspiração religiosa. Essa festividade de longa data constitui uma tradição no Brasil e, principalmente nas cidades históricas, se reveste de práticas antigas e tradicionais. As vias públicas são embelezadas com decorações de acordo com costumes locais.



Ora, tal festa de tradição milenar, celebrada mundialmente, reforça um dos preceitos mais significativos do cristianismo católico: a presença material de Cristo na eucaristia. A celebração da mesma encontra eco em todo o mundo, reunindo fiéis em procissões que passam por tapetes de rara beleza. Celebrar o Corpus Christi é mais que um simples feriado qualquer; para todo aquele que crer, é rememorar Cristo na eucaristia vivo e presente entre nós.



Em Montes Claros neste ano foi diferente. É sabido que a relação do prefeito Tadeu Leite com a igreja católica local vem sendo marcada por insultos e provocações desde o final do ano passado. Quando das eleições municipais, o Conselho diocesano de pastoral soltou nota pública se indignando com a tentativa do então candidato Tadeu de manipular a opinião pública afirmando ter o apoio da igreja.



A partir de então, não têm sido poucas as vezes que o senhor prefeito, no afã revanchista, algo que lhe é muito peculiar, tenta atacar a igreja católica, algo inoportuno e impróprio para alguém que exerce cargo de relevada importância como ele. A última agressão praticada pela administração municipal contra a igreja, e muito mais ainda contra o povo cristão de Montes Claros, foi no tocante ao não cumprimento de legislação nacional que diz ser feriado nacional o dia de Corpus Christi. Em Montes Claros, o comércio funcionou normalmente.



Alguns dirão que era por ocasião da véspera do dia dos namorados, por causa da crise, do frio etc. Quanta hipocrisia! As compras do dia dos namorados poderiam muito bem ser feitas na sexta-feira, dia 12. O fato é que, ao funcionar no feriado, ficou inviável a realização de uma tradição secular: enfeitar as ruas com tapetes ornados de serragem, na mais viva expressão de fé do nosso povo.



O povo cristão de Montes Claros, apesar de ferido no seu íntimo, na sua fé e na sua crença, diante de tamanha falta de respeito aos seus costumes e tradições, reagiu com indignação na Catedral de Nossa Senhora Aparecida, onde foi realizada a celebração litúrgica, já que as ruas em torno da praça não foram interditadas pela administração municipal.



Foi geral o desconforto e desassossego. O mal estar foi tanto que chegou a provocar alguns desmaios, aumentando a revolta contra a administração municipal. È preciso que o senhor saiba que esta cidade não é um feudo que pode funcionar ao seu bel prazer. Aqui tem leis que devem ser respeitadas. Sua condição de chefe do executivo motes-clarense nao lhe dá o direito de agredir milhares de pessoas naquilo que lhes é mais sagrado: a fé em um deus vivo que se materializa na eucaristia.



Como se não bastasse a descarada agressão ao bolso do montes-clarense mais humilde que usa o transporte coletivo com a deslavada insistência de inclusive peitar o ministério público na intenção de manter o aumento abusivo da tarifa, o prefeito agora teve a ousadia de provocar, da forma mais grotesca e deplorável, não a instituição igreja católica, mas sim milhares de católicos contribuintes, que têm constitucionalmente a liberdade de culto assegurada no artigo quinto da CF/88.



Ao privar o nosso povo de uma celebração tradicional, não intervindo para o que o comércio não funcionasse, que as ruas centrais fossem interditadas como tradicionalmente sempre foram, o senhor prefeito mostrou para nossa cidade a serviço de quem ele se encontra. Como no caso do aumento da tarifa de lotação, onde de maneira subserviente se curvou diante dos interesses das empresas de transporte coletivo, agora se curva diante de pressões de alguns poucos que julgavam oportuno o funcionamento do comércio.



E mais, poderia sim o comércio ter funcionado, com ruas interditadas para que fosse garantido o direito sagrado do povo de ornamentar as ruas e por elas passar na procissão do Corporal eucarístico. Mas a veia provocativa e revanchista do senhor prefeito falou mais alto e o mesmo viu nesta a oportunidade ímpar de mandar um recado à igreja de Montes Claros. Recado este bem compreendido por todos os fiéis na tarde de quinta-feira: Agora Montes Claros tem um prefeito que, apesar de ter nome de santo, age e se comporta de maneira vil, não medindo esforços para ofender as pessoas naquilo que há de mais nobre, a sua fé.



Cuidado, senhor prefeito, a história já nos mostrou do que um povo ferido é capaz. Derruba ditadores, faz revoluções, consolida conquistas, luta com afinco por aquilo que acredita. Foi assim que os regimes totalitários e anticlericais do Leste Europeu caíram, diante da fé de um povo que nada mais queria que expressar livremente a sua crença em um deus bom pai e justo.



Por ocasião da visita como papa a sua terra natal, a Polônia, em 1978, João Paulo II ouviu atônito seu povo gritar em praça pública, em pleno governo ditatorial:



- Queremos Deus! Queremos Deus! Queremos Deus!



Que pena que, aqui, nosso povo não pode cantar pelas ruas enfeitadas:



- Queremos Deus, que é nosso Rei! Queremos Deus que é nosso Pai!



Como sempre fazíamos todos os anos.



Rivalizar com o povo nas questões religiosas com certeza, senhor prefeito, não é uma estratégia inteligente. Sendo o senhor uma das mais velhas raposas políticas da nossa cidade, talvez tenha se deixado levar pela emoção, e o senhor bem sabe que em política a emoção tem que ficar apenas nos palanques, nos discursos inflamados que o senhor bem sabe fazer. Na hora das decisões é preciso pensar, agir com lucidez e decidir o que é melhor para o povo, inclusive para o senhor.



Lamentavelmente desta vez, com certeza o senhor não agiu à luz da razão. Entrará para a história de Montes Claros como único prefeito que teve a descarada ousadia de burlar a legislação nacional e as tradições milenares de um povo, ao não respeitar o feriado de Corpus Christi.



Mais que um pecado, senhor prefeito, o senhor cometeu a maior de todas as gafes políticas. Ao confrontar uma instituição milenar como a igreja católica, conseguiu, de maneira desacertada, ferir o nosso povo no que há de mais sagrado: a sua fé. Oxalá não vire isso uma constante. Nosso povo merece respeito, e a política não deve ser instrumento utilizado para disseminar o ódio e o revanchismo medieval e provinciano.



Nossa cidade ainda carece da intervenção da administração municipal no enfrentamento de gargalos graves que impossibilitam o nosso bem estar. Acorde, senhor prefeito, para o problema desse trânsito caótico, das filas nos postos de saúde, do déficit habitacional crescente, da inoperância do poder público em relação a políticas de geração de emprego e renda, da insegurança generalizada, da falta de uma política de educação integral nas nossas escolas municipais.



Acorde para a desvalorização do servidor público municipal. Isto, com certeza, é muito mais relevante que o seu revanchismo barato. Sei que não é do seu feitio resolver problemas de natureza tão grave e complexa como os mencionados acima, mas pelo menos tente, nossa cidade merece, nosso povo anseia e, afinal, é por isso que pagamos regularmente em dia nossos tributos.

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