Alberto Sena *
O som do sino chegou aos ouvidos de Murilo Antunes, montes-clarense da linda Pedra Azul, que jus faz ao nome, com aquelas enormes pedras ao seu redor. E ele, poeta e letrista, publicitário nas horas vagas, homem conhecedor da importância da memória individual e coletiva, arrancou lá do fundo das lavras do coração, as seguintes palavras, em defesa da Praça Coronel Ribeiro, em defesa da memória urbana:
“É, meu amigo, a vaca tá indo pro brejo. Fiquei com o coração apertado ao ler a destruição da memória montesclarense. É impressionante o disparate, o acinte dos proprietários de visão tacanha que simplesmente dizem ‘f.-se’ para poder ganhar seus caraminguás imediatos e a história que se dane. Nunca pensaram que um lugar que não conserva seus valores, morre. Qualquer lugar sem história, definha, perde a identidade. Qualquer cidade sem memória dá direito aos outros de falarem o que quiserem sobre ela, para o bem e para o mal. No caso de Montes Claros, a memória está escorrendo pelos bueiros da madrugada. Nossos olhos acompanham o esgarçar da história de uma região imensamente rica que, no entanto, despreza sua própria memória, e com ela vamos nós todos. É pena, Alberto, mas parece que a mediocridade venceu”.
Na badalada seguinte, o som do sino penetrou fundo nos ouvidos de Paulo Henrique Souto, que se sentiu tocado e “futucou” a memória de todos os momentos e de todas as horas:
“Não é que minha família morou naquela casa, a primeira de MOC, sabia? Pois papai João Souto, o primeiro jornalista registrado da cidade; tenho a carteira com o número 1 dele, geminiano como eu, João Souto era um filantropo de verdade, distribuía esmolas as segundas-feiras na porta do Armazém Souto, sem controle, os pobres faziam fila, entravam com os seus embornais, pegavam feijão, arroz, café etc. direto dos sacos expostos em frente ao balcão, anterior a Betinho. Que Deus os tenha. Pois é, papai contava que a porta da casa dormia aberta, e mamãe, dona Nininha, acordava com o verdureiro já na sala gritando: “verdura”! Vicente, meu irmão, seu vizinho aí em BH, tem foto da casa; ele morou nela, eu não, sou raspa de tacho de um casal generoso e amável, que me deram alma de artista. Se quiser, peça a foto pra Tim, Vicente, meu irmão, ele tem um acervo de Montes Claros antigo, que todos desconhecemos. Copie, por favor, as suas crônicas e leva pra ele, vai gostar, acha que ninguém dá valor “a estas coisas”, reclama com os seus 84 anos. Valeu”.
Memória, minha senhora, memória, meu senhor, a gente tem que tratar com amor. Ninguém compra memória no supermercado. Impossível transplante de memória. O homem e a mulher não devem dizer: “minha memória está cada vez pior”, porque quanto mais se repetir essa frase negativa – e muita gente a repete – mais a memória vai para o beleléu.
Com a memória deve-se agir de modo diferente, minha senhora. Assim, meu senhor: o homem vai tratar a memória como se ela fosse uma mulher. Vai enchê-la de carinhos. Vai dizer, por exemplo: “ó, minha memória, abaixo de Deus, é você que amo tanto, mantenha o seu encanto”.
A mulher vai fazer a mesma coisa em relação à memória. Vai tratá-la como se fosse um homem, o homem amado. E, garanto: ambos terão memória para toda hora, todo instante, a vida inteira.
É preciso ter cuidado ao pensar e falar pra si mesmo, porque não se sabe como é que o cérebro decodifica as palavras que saem do coração. Se a pessoa pode fazer uso dos pensamentos e das palavras contra si mesma, pode também fazer o contrário, em seu favor.
É em favor da memória coletiva, urbana, em defesa do patrimônio público, da Praça Coronel Ribeiro, que nós estamos nos dirigindo ao prefeito Luiz Tadeu Leite, que, daqui do alto desta Serra do Curral ainda posso vê-lo, gravador na mão ou microfone à boca, como radialista, lá no princípio da vida pública, brigando pela cidade, com propriedade.
Agora, três vezes prefeito, ele terá de fazer tudo bem feito.
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* Alberto de Sena Batista é de Montes Claros (MG). Começou no Jornalismo aos 17 anos, na Redação do “O Jornal de Montes Claros”. Foi de repórter até editor no Jornal “Estado de Minas” nas editorias de Agropecuária, Abastecimento, Meio Ambiente e Economia. Trabalhou no “Hoje em Dia” e na “Gazeta Mercantil”. Tem Prêmio Esso de Jornalismo (Direitos Humanos) e Prêmio Fenaj de Jornalismo (Meio Ambiente). Como repórter rodou o mundo. Fez duas vezes – a pé – o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha.