Agora mesmo estou concluindo mais um livro. Será uma antologia da literatura de cordel, onde juntarei todos os meus folhetos num só exemplar. A literatura de cordel é a arte de escrever em versos, metrificados e rimados, os fatos mais interessantes da nossa terra e sempre com o objetivo do entretenimento, para a alegria dos leitores. São lendas, pilhérias, deboches, histórias reais e fictícias e, às vezes, um assunto mais sério ou mesmo sem nenhuma importância para quem quer que seja. Na verdade, o que vale é o conhecimento de “um punhado de cultura popular na boca do povo” onde o amor de “Romeu e Julieta” figura nas entrelinhas dos versos, um palavreado (in)significante. Nota-se que a literatura de cordel traz à tona os discursos e os falatórios desconexas sobre a vida das pessoas, os influentes na política e na sociedade, e os fatos do cotidiano do passado e futuro. Quem nunca ouviu falar de Lampião, do saudoso padrinho Padre Cícero Romão Batista e de tantos outros “mitos” que ainda hoje encantam o mundo das nossas fantasias, tudo isso em trovas, e com versos de sete sílabas.
Na literatura de cordel, o formato dos folhetos têm origem nos cordéis portugueses, trazidos para o Brasil durante a colonização. Esses folhetos retratavam histórias de reis e rainhas e eram populares também em outros países europeus. Eram publicações adaptadas de livros eruditos escritos para a elite e destinados ao povo. Impressos em folhas simples e em grande quantidade, eram vendidos a preços acessíveis. Apesar do formato da literatura de cordel brasileira ter se inspirado nos folhetos lusitanos, em relação ao conteúdo, essa manifestação cultural ganhou autonomia e originalidade com os poetas nordestinos. Nota-se que a poesia cordelista, nos tempos passados, era marcada exclusivamente pela oralidade.
Em Montes Claros, nos anos setenta, foi criada a Associação dos Repentistas e Poetas Populares do Norte de Minas. Era um sonho dos imbatíveis Téo Azevedo e Amelina Chaves. Foi durante as suas reuniões que ficamos conhecidos no meio popular da arte e da cultura de Montes Claros. Lembro-me, como se hoje fosse, do cordelista Juca Silva Neto, no outro extremo da poesia, desafiando elegantemente o ilustre poeta popular Cândido Canela. Ainda, hoje, o tocador de berrante, Jason de Morais, nos encanta com as suas publicações em livretos de cordel e com o som imbatível do seu berrante na praça da |Matriz. É preciso dizer que em nossa cidade de Montes Claros a “Arte e a Cultura” sempre estiveram juntas, juntas e misturadas, pelos coretos, bares e botecos, como bem dizia o saudoso jornalista Reginauro Silva nos seus saudosos textos semanais.
O Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros inaugurou o painel da Cultura Popular “Cândido Canela”, um espaço destinado à exposição dos livretos de cordel de nossa boa gente catrumana. A valorização oferecida pelo IHGMC às produções de raízes representa uma realização não só na literatura como também na música. Lembremos com muita saudades de Zé do Campo e Zé do Jeep, na saudosa rádio ZYD-7, ou mesmo de Cândido Canela e Antônio Rodrigues - Chico Pitomba & Mané Juca - nessa mesma ZYD-7, com os seus desafios matutos para a alegria dos nossos ouvintes. Disse o ilustre professor Wanderlino Arruda que “o resgate dos valores de um passado até distante, pois da primeira metade do século passado, quando a cidade vivia poeira e escuridão, só com duas ruas calçadas e com luz de motor que parava de funcionar antes das onze da noite”, foi que a música das serestas, nos coretos da praça da Matriz, e os encontros dos poetas populares, nos botecos do mercado municipal, fundiram-se para o embelezamento das artes culturais.