Nas minhas idas a Porto Seguro - Bahia, era comum um passeio pelas areias da praia à beira-mar, sempre pela parte da manhã. Ali, solitário, contemplando a vastidão das águas atlânticas e, em questão de segundos, era possível visualizar as caravelas de Pedro Álvares Cabral descortinando os seus mastros, num balanço interminável, com destino às terras da província de Santa Cruz, sob o domínio das sinistras hipupiaras, ou seja, aqueles tão falados e tão temidos demônios-das-águas oceânicas. Como deve ter acontecido com as embarcações, sem os devidos apetrechos tecnológicos para a sua orientação, durante a viagem em alto mar? Os homens do mar eram atrevidos, valentes e obcecados pelo desejo da conquista. Eu, sozinho ali, questionando o inquestionável das grandes descobertas dos navegantes. Quantas besteiras! Mesmo assim, a sensação que eu tinha era de que, naquele momento eles já teriam avistado a silhueta do monte Pascoal, em terra firme, e os índios, felizes e nus como sempre, se acomodavam nas pedras espumarentas, resultante da ação permanente dos ventos na rebentação das ondas marítimas, preparando-se para uma recepção inesquecível.
O tempo passa. Passa o tempo sem que ao menos a gente perceba ele passando. O sol já não mais está no mesmo lugar, adiantou-se um pouco. Neste interim, lembro-me de uma pequena toada, chorosa, de um lindo trovar... “Muitas noites se passaram/ muitos dias já são idos/ meus bens todos se acabaram/ somente não se findaram/ dona minha, os meus gemidos...”. A razão volta a dominar a situação. Agora, muita gente brincando, conversando, jogando bola e/ou peteca, sem os mareantes barbudos e sem os marujos trigueiros senão grupos de pessoas em busca do lazer com os amigos e com a família.
Sempre que eu voltava ali, lá estava o paraíso das doçuras e purezas da terra moça e morena, onde tudo é ainda frescura e doce virgindade. Entretanto, o desenvolvimento econômico do lugar reproduz, nos dias de hoje, um quadro totalmente devastador, sem o alinhamento com os sonhos de outrora. Assim, para cá vieram os portugueses e espanhóis, velhos homens do mar, incutidos nas histórias cheias de assombrosas singularidades, sem nunca questionarmos as suas temerárias audácias nas águas pelágicas. A história dá uma volta no seu próprio calcanhar e, de mero espectador, passei a fazer parte do elenco cinematográfico.
Estou em Lisboa! O meu primeiro compromisso é conhecer a Torre de São Vicente, ou a formosa Torre de Belém, igualmente, o Padrão dos Descobridores e o Mosteiro dos Jerônimos. Desse modo foi feito. Eis porque, naquela manhã, renteando a solitude branca das praias alentejanas, entre o rio e o mar, a minha visão singrava no além-mar e percorria quilômetros de distância rumo ao novo mundo. Era dali que as caravelas e as naus ibéricas partiam, quase sem destino, mas sempre na esperança de um dia voltar. Como era gostoso a brisa marítima bater de frente no meu rosto. Tudo isso em estado da adversidade sentimental. Como era gratificante saber do sucesso alcançado pelos marinheiros daquela época.
Hoje, ouvindo Amália Rodrigues dizer que a “... canoa... conheces bem, quando há norte pela proa, quantas docas tem Lisboa, e as muralhas que ela tem”. Um lampejo de austeridade, basta-nos para estabelecer o tempo no espaço e o espaço no tempo e assim, compreendermos melhor a verdadeira história dos descobrimentos. O livro nos transfere para lugares distantes, conta-nos histórias emocionantes e, outras vezes, capacita-nos com conhecimentos sobre essas histórias. Mas, talvez, nada é melhor do que a missa de corpo presente. Eu fui lá à beira-mar e lá estive com os meus sonhos em razão dos meus anseios e desejos.