O salmo 123 nos convida a levantar os olhos para aquele que está entronizado nos céus. Em um mundo marcado pela arrogância e pela altivez humana, este salmo clama por misericórdia em um cenário de desprezo e opressão. A postura do salmista nos leva a refletir sobre nossa própria condição em uma sociedade contemporânea que, embora cercada por avanços tecnológicos e promessas de progresso, permanece marcada pela desigualdade, pela injustiça e pelo desprezo às coisas de Deus.
O salmista abre o texto com um gesto de humildade: “A ti, que habitas nos céus, levanto os meus olhos” (v. 1). A imagem é clara: o homem reconhece a majestade divina, submete-se a ela e clama por auxílio. Em um contexto reformado calvinista, essa postura de submissão ecoa o princípio da total depravação humana, um dos pilares do sistema doutrinário reformado. O homem, incapaz de se erguer por suas próprias forças, reconhece a soberania de Deus e clama por sua misericórdia. Tal atitude é um contraste gritante com a arrogância moderna, onde a autonomia humana é celebrada como a solução para todos os males. Contudo, o salmo 123 nos relembra que é ao Senhor dos céus, e não ao homem terreno, que devemos dirigir nosso clamor.
A perspectiva calvinista ressalta a centralidade da glória de Deus em todas as esferas da vida. Assim, a postura do salmista ao levantar os olhos é um ato de reconhecimento de que o controle soberano pertence a Deus. Em um mundo onde o secularismo busca marginalizar a fé e a espiritualidade, o salmo 123 emerge como um antídoto contra a autossuficiência humana. Ele nos lembra que a verdadeira libertação do desprezo e da opressão não vem da força humana, mas da intervenção divina.
Os versículos seguintes aprofundam o clamor do salmista: “Tem misericórdia de nós, Senhor, tem misericórdia, pois estamos sobremodo fartos de desprezo. A nossa alma está sobremodo farta da zombaria dos que estão à vontade e do desprezo dos soberbos” (v. 3-4). Aqui, a súplica por misericórdia revela uma condição de sofrimento diante do escárnio dos poderosos. A imagem é clara: enquanto os justos clamam por alívio, os soberbos, autossuficientes em sua arrogância, seguem em sua zombaria. Esta dicotomia entre o justo e o soberbo ressoa com a teologia calvinista da providência divina, onde Deus governa sobre todas as coisas, inclusive sobre os ímpios. Em última instância, a esperança do salmista repousa no fato de que o Senhor é o justo Juiz que julgará todas as ações humanas.
Em nossa sociedade contemporânea, marcada pela polarização e pela cultura do cancelamento, as palavras do salmo 123 soam profeticamente. Vivemos um tempo em que o desprezo pelos valores cristãos é evidente. A zombaria dos ímpios não se limita apenas ao ataque direto à fé, mas também ao desprezo pelos princípios éticos e morais sustentados pela cosmovisão cristã reformada. Em meio a esse cenário, o salmista nos ensina que o olhar deve estar firmemente fixado em Deus. Não nos cabe retaliar, mas clamar por misericórdia e confiar no justo Juiz.
A aplicação prática do salmo 123 na contemporaneidade é um chamado à dependência absoluta da graça divina. A atitude de levantar os olhos para os céus simboliza a renúncia à autossuficiência, o reconhecimento de que nossas forças são insuficientes para enfrentar a zombaria dos soberbos. Tal atitude deve ser refletida na postura da Igreja, que, em vez de buscar aprovação no sistema secular, deve encontrar seu consolo na fidelidade de Deus.
O salmo nos recorda, ainda, que o desprezo dos ímpios não é um fim em si mesmo, mas um meio pelo qual o Senhor prova a fé dos Seus servos. Nesse sentido, a oração por misericórdia se torna um ato de fé. A Igreja Reformada deve, portanto, manter-se firme em sua proclamação da soberania divina, lembrando-se de que a zombaria dos ímpios jamais poderá frustrar os propósitos eternos de Deus. Em vez de ceder ao desespero, o crente é chamado a levantar os olhos para o céu, de onde vem o socorro, pois o Senhor dos céus continua no seu trono, governando sobre todas as coisas.
Assim, em um mundo marcado pelo desprezo à verdade e pela exaltação da soberba, o salmo 123 nos convoca a perseverar na fé, a clamar por misericórdia e a confiar que, no tempo oportuno, Deus intervirá em favor do seu povo. A mensagem reformada ecoa essa confiança inabalável na soberania divina e na justiça vindoura, lembrando-nos que, enquanto os ímpios zombam e desprezam, os justos continuam a levantar os olhos para o céu, aguardando o socorro que vem do Senhor.