Wendell Lessawendell_lessa@yahoo.com.br

O tempo e a eternidade: uma reflexão sobre Apocalipse 1.3

Publicado em 12/02/2025 às 23:24.

O livro do Apocalipse inicia sua mensagem com uma bem-aventurança que ressoa através dos séculos: “Bem-aventurado aquele que lê, e os que ouvem as palavras desta profecia, e guardam as coisas que nela estão escritas; porque o tempo está próximo” (Ap 1.3). A expressão “o tempo está próximo” levanta uma questão fundamental sobre a natureza do tempo e como ele se relaciona com a eternidade. Para compreendermos melhor essa dimensão, podemos recorrer à filosofia de Agostinho e Henri Bergson, conectando suas perspectivas com a teologia reformada e suas implicações práticas para a vida contemporânea.

O tempo em Agostinho e Bergson
Santo Agostinho, no livro XI de As Confissões, reflete profundamente sobre o tempo, considerando-o uma realidade fluida e subjetiva. Para ele, o passado existe na memória, o futuro na expectativa e o presente na percepção. O tempo, portanto, não é um ente absoluto, mas algo dependente da experiência humana. Ao mesmo tempo, Agostinho distingue o tempo da eternidade divina: Deus existe fora do tempo, e Seu eterno presente não sofre as mutabilidades do mundo criado.

Já Henri Bergson, em sua crítica ao tempo cronológico (cronos), argumenta que a experiência humana do tempo é qualitativa, não quantitativa. Em Matéria e Memória e A Evolução Criadora, Bergson distingue o tempo da ciência — marcado por medições objetivas — do tempo real, que é vivido e sentido de maneira subjetiva. Esse tempo subjetivo se aproxima do conceito bíblico de kairós, que não é simplesmente um momento cronológico, mas um tempo de oportunidade, de decisão e revelação.

A conexão entre essas visões e a teologia reformada nos leva à compreensão de que a proximidade do tempo mencionada em Apocalipse 1.3 não deve ser entendida apenas em termos de um cronograma histórico, mas como a iminência da realidade escatológica no tempo presente. O kairós de Deus invade o cronos humano, revelando a urgência da obediência e do arrependimento.

A Teologia Reformada e o tempo redentor
A tradição reformada enfatiza a soberania divina sobre toda a história. João Calvino, em sua Institutas, sustenta que Deus não apenas criou o tempo, mas governa cada um de seus momentos para a manifestação de sua glória. Essa visão traz segurança para o crente, pois a história não caminha ao acaso, mas segundo o plano providencial de Deus.

A ideia reformada do tempus redemptoris — o tempo redentor — ressoa com a ênfase bíblica no kairós. Paulo escreve que Cristo veio “na plenitude dos tempos” (Gl 4.4), demonstrando que Deus age na história de maneira intencional. A escatologia reformada não encara o tempo como um ciclo interminável ou um progresso linear indefinido, mas como um drama com início, meio e fim, cujo ápice é a consumação de todas as coisas em Cristo.

Nesse sentido, Apocalipse 1.3 nos chama a viver com discernimento, reconhecendo que cada momento é uma oportunidade de santificação e serviço no Reino de Deus. Como Paulo exorta em Efésios 5.16: “Remindo o tempo, porque os dias são maus” — um chamado para transformar cada instante em uma ocasião de glorificação a Deus.

Implicações para a vida contemporânea
A compreensão bíblica do tempo tem implicações profundas para a nossa era, caracterizada pelo frenesi do imediatismo e pela angústia da incerteza. Em um mundo que vive aprisionado ao cronos — aos prazos, agendas e urgências artificiais — a perspectiva do kairós oferece uma forma alternativa de existência, onde o significado do tempo não é determinado pela produtividade, mas pela presença e pela fidelidade a Deus.
1.Resgate da contemplação: Em um mundo acelerado, onde o tempo é tratado como um recurso a ser explorado, recuperar a espiritualidade da contemplação é essencial. A leitura e meditação das Escrituras, conforme enfatizado em Apocalipse 1.3, nos convida a um tempo qualitativo com Deus, onde ouvimos Sua voz e respondemos em obediência.
2.Urgência missionária: A percepção de que “o tempo está próximo” nos leva a um senso de urgência quanto ao testemunho cristão. Se o tempo não é apenas um fluxo cronológico, mas uma oportunidade divina de redenção, devemos proclamar o evangelho com convicção, sabendo que cada momento pode ser um kairós para a salvação de alguém.
3.Viver sem ansiedade: A modernidade nos incita à preocupação constante com o futuro, gerando uma ansiedade paralisante. A perspectiva reformada nos lembra que Deus sustenta a história, e que nossa confiança não está no controle humano, mas na fidelidade divina. Podemos descansar, pois o tempo não nos governa; antes, ele pertence ao nosso Senhor.
4.Ética do trabalho e descanso: O tempo não deve ser idolatrado como uma ferramenta de autoafirmação, mas vivido em equilíbrio. O sábado e os momentos de descanso são testemunhos de que a vida não se reduz à produção. Se Deus é o Senhor do tempo, então o descanso é um ato de confiança nele.

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