Mas o racionalismo é o exagero. O problema do racionalismo está quando ele é interpretado radical ou exclusivamente, tornando-se um ídolo, desconsiderando, portanto, a revelação das Escrituras, o que pode acontecer – e acontece – com qualquer outra teoria filosófica.
O racionalismo se tornou muito forte no século 17 com os pensamentos de Malebranche, René Descartes, Baruch Spinoza e Gottfried Wilhelm Leibniz. Porém o racionalismo já tinha suas formas em Platão e Aristóteles, séculos antes do nascimento de Jesus Cristo. Essa ideia foi veiculada por outros pensadores influentes, como o próprio Agostinho, por exemplo, embora em formas distintas de expressão e conteúdo. Na época dos reformadores Martinho Lutero e João Calvino, havia também formas de racionalismo que chegaram a influenciar alguns deles.
O racionalismo é, resumidamente, “um ponto de vista (ou cosmovisão) epistemológico (que diz respeito ao modo como nós podemos conhecer as coisas que existem, como Deus, por exemplo) que vê no pensamento, na razão, a principal fonte de conhecimento humano” (Johannes Hessen, em Teoria do Conhecimento, com meus destaques entre parênteses). Em outras palavras, um conhecimento só pode ser verdadeiro se possuir uma necessidade lógica (uma razão para ser assim) e uma validade universal (ser aplicado em qualquer lugar).
O pastor-teólogo Charles Hodge, em sua Teologia Sistemática, afirma que o racionalismo surgiu sob pelo menos três formas diferentes: a) uma forma deísta : que nega a possibilidade de uma revelação sobrenatural, como as Escrituras, por exemplo; b) uma forma de razão pura: embora se admita a possibilidade da revelação sobrenatural das Escrituras, as verdades só podem ser compreendidas e demonstradas pela razão; c) uma forma dogmática: defende que muitas das verdades da revelação estão ocultas à razão humana e só devem ser aceitas mediante autoridade, como no caso da autoridade interpretativa da igreja.
Charles Hodge considera os efeitos perniciosos do racionalismo. Mas há quem admita existir elementos de verdade que devem ser considerados, pois é preciso distinguir racionalidade de racionalismo. A racionalidade é a capacidade que Deus nos deu de raciocinarmos e concluirmos corretamente sobre os fatos da vida. Mas o racionalismo é o exagero. O problema do racionalismo está quando ele é interpretado radical ou exclusivamente, tornando-se um ídolo, desconsiderando, portanto, a revelação das Escrituras, o que pode acontecer – e acontece – com qualquer outra teoria filosófica.
No meio cristão atualmente, há também formas não tão elaboradas de racionalismo, mas que também prejudicam o entendimento bíblico e, consequentemente, o viver cristão diário. Há quem contraste razão e emoção, ou razão e fé, por exemplo, como se para sermos racionais as nossas emoções ou a nossa crença em Deus devessem ser totalmente abolidas. Para esse grupo, as sensações naturais humanas devem ser sempre controladas pela razão e essa passa a ser a deusa que nos governa.
Assim, ao interpretarmos textos que revelam emoções profundas, ou crenças individuais e manifestações de culto, como várias vezes se vê nos salmos, por exemplo, temos a tendência de atribuir essas sensações às imperfeições humanas, em vez de considerarmos como partes naturais de nossa alma. Ou ao considerarmos termos como “fé”, que não é necessariamente racional, mas “a certeza do que esperamos” e a “convicção do que não se vê” (Hb 11.1), portanto, “crença”, portanto, “suprarracional”, como poderemos associar o conhecimento sobre Deus, sobre nós mesmos e a revelação das Escrituras apenas à razão pura? Parece haver algo mais do que simplesmente uma compreensão racional nessas coisas. Fé e razão não são contrárias. Temos ambas e elas fazem parte do todo de que somos em Cristo Jesus.
Charles Hodge afirma que uma das falhas do racionalismo é defender que nós só podemos crer no que entendemos. Vamos ver um exemplo: a Confissão de Fé de Westminster considera a razão como uma boa e importante fonte de compressão das verdades bíblicas, mas também – e sabiamente – entende que não é apenas pela razão ou pelo pensamento que acolhemos essas verdades espirituais, porque não é apenas um entendimento racional ou lógico, mas uma profunda, íntima e sensacional iluminação do Espírito Santo do Senhor.
