Sarah SanchesMãe, empresária, escritora, fotógrafa e barista

O que fazer?

Publicado em 10/08/2023 às 19:00.

Sua camiseta verde. O que vou fazer? Acho que verde é mais uma das coisas que temos em comum. Gostar de contar histórias. Apertar os joelhos das crias. 

O que vou fazer com o que no meu jeito, é seu? Com os dedos pra estralar ou com a vontade de dormir no meio da tarde e achar a sua cama de abrigo? Olhar suas fotos e vídeos não é como te ver. São lembranças, não captam tudo. E eu ainda tinha tanto a aprender, escutar, rir. 

O que vai ser do nosso picolé sagrado? Agora é a hora de crescer? No velório, você todo de azul, lindo, já com os olhos fechados e uma expressão que combina com você. Pose de sério querendo rir. Quis tanto que fosse alguma piada, alguma brincadeira sua. Não foi. Chorei.

E chorei mais ainda quando percebi que nem no próprio enterro você iria. Nem mesmo depois de morto que você iria a velório! Nem no próprio. Lindo, com flores (iguais aos meus braços) ao redor. Bom que não viu que embora fosse a própria imagem de um galã hollywoodiano vindo direito do Ceará, estava com as sobrancelhas grandes, despenteadas e o bigode pegava um pouco na boca. Nada parecidos com o homem vaidoso que você foi. Ou é. Miudezas que agora parecem tão nobres e especiais. 

Quando eu desmaiei aquele dia no posto, mas ainda ouvia a sua voz… você ainda escuta a minha? Me vê chorar porque não consigo saber onde te acho? 

Parei de andar de moto mais por você do que por mim. Nem carro quis mexer.

Eu sou mesmo destrambelhada. Lembra quando você brigava por eu pular a janela do quarto (um atalho) estando grávida quase parindo?

Quem vai cuidar de mim assim, vovô? 

Você sempre me quis independente, mas nunca exposta. Me quis grande, mas sempre me olhava como se eu fosse pequenininha.

Me ensinou a descascar laranjas, me viu chegar de madrugada e me levou em todos os meus trabalhos. Quem me conhecia era obrigado a saber de você e isso torna tudo tão difícil agora. 

Quero dizer que está bem, em paz, “descansou” ou qualquer clichê pra morte. Mas eu não acredito nisso, porque eu te vi querendo tanto viver. Continuar. Permanecer. 

Nem os olhos você queria fechar. Esperar. Ninguém quer descansar da vida. Queríamos a cura, voltar pra casa. 

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