Vanessa AraújoJornalista, especialista em cinema e linguagem audiovisual

Cineminha em chamas

Publicado em 17/04/2025 às 19:00.

Confesso: nunca joguei Minecraft. Não sou do bloco. Literalmente. Quando o jogo virou febre, eu já estava em outra fase da vida – aquela em que a gente tenta pagar boletos, manter plantas vivas e não entrar em colapso existencial toda segunda-feira. Minecraft não fez parte da minha infância ou adolescência. Eu sou da geração que gravava clipes da MTV em fita VHS e tinha que rebobinar as locadoras. Então, não, eu não fui assistir ao filme do Minecraft.

Segundo reportagens recentes, a estreia do filme, não só no Brasil, virou uma espécie de rave infantil com pipoca voando no ar e expulsões em massa nas salas de cinema. Isso mesmo: crianças combinando nas redes sociais o momento exato de transformar a sessão em um pandemônio coordenado. Jogar pipoca, gritar, levantar, bater palmas. Tudo isso em um momento conveniente do filme que, claro, não vou saber justificar.

Esse tipo de comportamento — embora novo nesse nível de coreografia — escancara uma crise silenciosa: a experiência de ir ao cinema não é mais a mesma. E antes que alguém diga que estou sendo ranzinza ou exagerada, deixo claro: já sou uma pessoa naturalmente intolerante ao caos. Como fã do horror (não que Minecraft se encaixe no gênero), poucas coisas me irritam mais do que risadas histéricas fora de hora, sustos interrompidos por piadinhas sem graça ou comentários do tipo “ih, vai morrer” bem no auge da tensão. E olha que as sessões de filmes de terror raramente estão lotadas.

Não é pedir muito querer que as pessoas fiquem caladas por uma hora e meia. Não estamos em casa. Não é karaokê. Não é debate. É cinema. E o mínimo que se espera é respeito à obra — e aos outros espectadores. Mas sejamos justos: o problema não são só as crianças. Sempre tem aquele ser iluminado que acende o celular bem no meio da tela, como se fosse impossível viver desconectado por duas horas. Tem a galera que resolve comentar o filme em tempo real, como se fosse live no Instagram. E, claro, as filas intermináveis, a pipoca com preço de lanche gourmet, o refrigerante que exige financiamento e o ingresso que parece calculado em dólar turismo. Soma tudo isso e ainda tem o estacionamento do shopping, que te cobra para existir.

Não é exagero afirmar que a experiência coletiva, que deveria ser encantadora, se torna exaustiva. Não é à toa que muita gente está preferindo esperar os lançamentos chegarem ao streaming – ainda que sejam filmes feitos para outra configuração. No sofá de casa, você não paga ingresso, não ouve criança jogando pipoca pra cima e escolhe com quem dividir o silêncio (ou o comentário certeiro no momento certo). Pode ser com amigos, com seu pet ou com você mesmo. 

Sinceramente, o custo-benefício anda em baixa. No entanto, dá uma dor enorme no coração quando não conseguimos conferir no Cinema um filme que foi feito para a telona. Me senti assim quando vi Roma (2018), de Alfonso Cuarón. A história de Cleo, uma empregada doméstica que trabalha para uma família de classe média no Distrito Federal do México no início do governo de Luis Echeverría. Vencedor de dois Globos de Ouro, dentre outros prêmios, Roma fez história como o primeiro filme da Netflix a ser indicado às principais categorias do Oscar. Foram 10 indicações, ao todo, incluindo melhor filme, filme em língua estrangeira, direção e atriz. Não é surpresa constatar que fez muita falta conferir a obra na tela grande, com o som absurdo, a imersão quase total que só o Cinema proporciona. 

Claro que as próprias plataformas de streaming também sacaram o valor simbólico (e marqueteiro) da telona. Por mais que tenham investido bilhões pra manter você no sofá, entenderam que alguns prêmios ainda exigem tapete vermelho, sessão limitada e um público que ainda resiste ao hábito de ver pelo celular. Não por acaso, muitos filmes originais dessas plataformas fazem o caminho contrário: vão parar nos festivais e, de quebra, garantem um “lançamento nos cinemas” só pra não passar vergonha na temporada de premiações. Ou seja, até o streaming já entendeu que o cinema ainda tem seu charme... só não é mais obrigatório pra todo mundo. A diferença é que agora o público escolhe e, talvez, esse seja o verdadeiro luxo da era moderna: o silêncio e a liberdade de pausar quando quiser — sem pipoca voando.

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