Logotipo O Norte
Sábado,23 de Agosto
Drikka Queiroz

Patrícia Antunes e a potência do cinema feito com escuta, afeto e resistência

Publicado em 01/08/2025 às 19:00.

A cineasta, roteirista, artista visual e psicóloga Patrícia Antunes tem se destacado no cenário do cinema independente contemporâneo com uma obra sensível, política e profundamente conectada com as vivências femininas. Nascida em Montes Claros e criada em Janaúba, no norte de Minas Gerais, Patrícia atualmente vive em Brasília, onde desenvolve seus projetos autorais e atua como coordenadora de festivais de cinema e consultora cultural.

Com formação múltipla — psicologia, cinema e artes visuais —, Patrícia dirige desde 2004 o Núcleo Criativo da Arte em Movimento, onde conduz projetos que articulam estética, escuta e engajamento social. Seu cinema busca tensionar as convenções tradicionais da narrativa audiovisual, propondo uma linguagem que parte da ausência e do silêncio para revelar camadas profundas de identidade, memória e pertencimento.

Neste ano, a artista conquistou o prêmio de Melhor Curta-Metragem sobre Mulheres no Paris Lady Moviemakers Festival, na França, com o filme Felicidade Contemporânea (2024). A premiação, recebida com surpresa e emoção, representou para ela o reconhecimento de uma trajetória marcada por coragem e autenticidade. "Fazer cinema no Brasil exige coragem, especialmente para quem constrói narrativas autorais com sensibilidade social", afirma a cineasta. "Esse prêmio reforça que nossas histórias atravessam fronteiras quando são contadas com verdade."

Para Patrícia, receber esse reconhecimento em um dos países mais simbólicos para o cinema mundial é também um gesto de afirmação. Vinda de uma região historicamente à margem dos circuitos cinematográficos, ela destaca a força simbólica da conquista: "É um recado claro: o Brasil profundo tem muito a dizer, e nosso cinema também é universal."

O filme premiado nasceu de uma inquietação pessoal diante da chamada "ditadura da felicidade" contemporânea. Inspirada pelo pensamento do filósofo Gilles Lipovetsky e por experiências de escuta com mulheres da cidade onde vive, Patrícia criou uma obra que denuncia a pressão social por uma felicidade performada, ao mesmo tempo em que propõe espaços de afeto, dúvida e resiliência. "O filme é uma tentativa de recuperar a delicadeza em tempos de excesso", diz.

O processo de produção de Felicidade Contemporânea foi marcado por uma escuta atenta e pela construção coletiva. Quatro mulheres - Letícia Karen, Simone Borges, Letícia Fleury e Beatriz Santana - foram selecionadas por meio de uma audição sensível. Cada uma trouxe para o filme não apenas sua atuação, mas também suas vivências. "O cinema, para mim, é como uma orquestra", diz Patrícia. "Precisa de afinação e cuidado na composição da equipe. E isso se reflete diretamente na força do filme."

A obra tem tocado públicos em diferentes culturas e países, com exibições em Paris, Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte, México, Colômbia e Índia. O retorno mais recorrente do público internacional, segundo Patrícia, é o da identificação com as dores e afetos das personagens. "É simbólico ver que um filme feito no Brasil, com sotaques do cerrado e alma mineira, ecoa em tantos lugares", comemora.

Ao ser questionada sobre a conexão do filme com o norte de Minas, Patrícia não hesita: "O filme é atravessado pelo Brasil, mas fala especialmente de territórios onde ainda lutamos por equidade e acesso à cultura." Ela reconhece os desafios enfrentados pela cena artística da região, mas também celebra o movimento crescente de artistas locais que vêm promovendo ações formativas e eventos culturais. "Esses projetos são sementes e precisam ser cuidados com compromisso."

A origem no norte de Minas é apontada por ela como a base de sua sensibilidade artística. "É o solo simbólico onde fui moldada", diz. "A oralidade, a escuta do outro e o atravessamento pelo cotidiano estão presentes no meu cinema desde sempre." A artista ressalta que contar histórias, para ela, é mais do que inventar: é dar visibilidade ao que está encoberto, às ausências que gritam e às palavras que quase não saem.

Patrícia Antunes também fala abertamente sobre os desafios de ser mulher cineasta no Brasil: a escassez de recursos, a falta de políticas públicas continuadas e a dificuldade de sustentar um olhar autoral. Ainda assim, segue firme em sua missão. Entre suas inspirações, estão Agnès Varda, Claire Denis e Sarah Maldoror, além de cineastas brasileiras como Adélia Sampaio, Tata Amaral e Anna Muylaert. Mas é nos movimentos coletivos e nos cineclubes afetivos que ela encontra força e motivação para continuar criando.

Entre os projetos futuros, Patrícia revela que está desenvolvendo um novo filme sobre amor próprio na vida das mulheres e um projeto de animação infantil sobre medos infantis -  temas que considera urgentes e pouco abordados. Ela também planeja levar Felicidade Contemporânea para festivais nacionais e realizar sessões especiais no norte de Minas, com rodas de conversa e debates. "Mais do que exibir o filme, quero criar encontros que nos façam refletir sobre nossas formas de existir, sentir e resistir."

Com uma trajetória marcada por autenticidade, coerência estética e compromisso social, Patrícia Antunes consolida-se como uma das vozes mais potentes do cinema autoral brasileiro -  uma artista que escuta antes de filmar e que transforma silêncios em narrativas cheias de presença.

Cena do filme Felicidade Contemporânea, a atriz IBeatriz Santana nos conecta com a cidade, a partir da obra de Athos Bulcão no Teatro Nacional de Brasília, um painel externo em blocos de concreto, que tem uma altura de 27 metros. (Frame cinematográfico de Joanna Ramos)

Cena do filme Felicidade Contemporânea, a atriz IBeatriz Santana nos conecta com a cidade, a partir da obra de Athos Bulcão no Teatro Nacional de Brasília, um painel externo em blocos de concreto, que tem uma altura de 27 metros. (Frame cinematográfico de Joanna Ramos)

Patrícia Antunes com parte da equipe (foto Rubens Romão)

Compartilhar
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por