A cineasta, roteirista, artista visual e psicóloga Patrícia Antunes tem se destacado no cenário do cinema independente contemporâneo com uma obra sensível, política e profundamente conectada com as vivências femininas. Nascida em Montes Claros e criada em Janaúba, no norte de Minas Gerais, Patrícia atualmente vive em Brasília, onde desenvolve seus projetos autorais e atua como coordenadora de festivais de cinema e consultora cultural.
Com formação múltipla — psicologia, cinema e artes visuais —, Patrícia dirige desde 2004 o Núcleo Criativo da Arte em Movimento, onde conduz projetos que articulam estética, escuta e engajamento social. Seu cinema busca tensionar as convenções tradicionais da narrativa audiovisual, propondo uma linguagem que parte da ausência e do silêncio para revelar camadas profundas de identidade, memória e pertencimento.
Neste ano, a artista conquistou o prêmio de Melhor Curta-Metragem sobre Mulheres no Paris Lady Moviemakers Festival, na França, com o filme Felicidade Contemporânea (2024). A premiação, recebida com surpresa e emoção, representou para ela o reconhecimento de uma trajetória marcada por coragem e autenticidade. "Fazer cinema no Brasil exige coragem, especialmente para quem constrói narrativas autorais com sensibilidade social", afirma a cineasta. "Esse prêmio reforça que nossas histórias atravessam fronteiras quando são contadas com verdade."
Para Patrícia, receber esse reconhecimento em um dos países mais simbólicos para o cinema mundial é também um gesto de afirmação. Vinda de uma região historicamente à margem dos circuitos cinematográficos, ela destaca a força simbólica da conquista: "É um recado claro: o Brasil profundo tem muito a dizer, e nosso cinema também é universal."
O filme premiado nasceu de uma inquietação pessoal diante da chamada "ditadura da felicidade" contemporânea. Inspirada pelo pensamento do filósofo Gilles Lipovetsky e por experiências de escuta com mulheres da cidade onde vive, Patrícia criou uma obra que denuncia a pressão social por uma felicidade performada, ao mesmo tempo em que propõe espaços de afeto, dúvida e resiliência. "O filme é uma tentativa de recuperar a delicadeza em tempos de excesso", diz.
O processo de produção de Felicidade Contemporânea foi marcado por uma escuta atenta e pela construção coletiva. Quatro mulheres - Letícia Karen, Simone Borges, Letícia Fleury e Beatriz Santana - foram selecionadas por meio de uma audição sensível. Cada uma trouxe para o filme não apenas sua atuação, mas também suas vivências. "O cinema, para mim, é como uma orquestra", diz Patrícia. "Precisa de afinação e cuidado na composição da equipe. E isso se reflete diretamente na força do filme."
A obra tem tocado públicos em diferentes culturas e países, com exibições em Paris, Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte, México, Colômbia e Índia. O retorno mais recorrente do público internacional, segundo Patrícia, é o da identificação com as dores e afetos das personagens. "É simbólico ver que um filme feito no Brasil, com sotaques do cerrado e alma mineira, ecoa em tantos lugares", comemora.
Ao ser questionada sobre a conexão do filme com o norte de Minas, Patrícia não hesita: "O filme é atravessado pelo Brasil, mas fala especialmente de territórios onde ainda lutamos por equidade e acesso à cultura." Ela reconhece os desafios enfrentados pela cena artística da região, mas também celebra o movimento crescente de artistas locais que vêm promovendo ações formativas e eventos culturais. "Esses projetos são sementes e precisam ser cuidados com compromisso."
A origem no norte de Minas é apontada por ela como a base de sua sensibilidade artística. "É o solo simbólico onde fui moldada", diz. "A oralidade, a escuta do outro e o atravessamento pelo cotidiano estão presentes no meu cinema desde sempre." A artista ressalta que contar histórias, para ela, é mais do que inventar: é dar visibilidade ao que está encoberto, às ausências que gritam e às palavras que quase não saem.
Patrícia Antunes também fala abertamente sobre os desafios de ser mulher cineasta no Brasil: a escassez de recursos, a falta de políticas públicas continuadas e a dificuldade de sustentar um olhar autoral. Ainda assim, segue firme em sua missão. Entre suas inspirações, estão Agnès Varda, Claire Denis e Sarah Maldoror, além de cineastas brasileiras como Adélia Sampaio, Tata Amaral e Anna Muylaert. Mas é nos movimentos coletivos e nos cineclubes afetivos que ela encontra força e motivação para continuar criando.
Entre os projetos futuros, Patrícia revela que está desenvolvendo um novo filme sobre amor próprio na vida das mulheres e um projeto de animação infantil sobre medos infantis - temas que considera urgentes e pouco abordados. Ela também planeja levar Felicidade Contemporânea para festivais nacionais e realizar sessões especiais no norte de Minas, com rodas de conversa e debates. "Mais do que exibir o filme, quero criar encontros que nos façam refletir sobre nossas formas de existir, sentir e resistir."
Com uma trajetória marcada por autenticidade, coerência estética e compromisso social, Patrícia Antunes consolida-se como uma das vozes mais potentes do cinema autoral brasileiro - uma artista que escuta antes de filmar e que transforma silêncios em narrativas cheias de presença.