Quando me disseram que eu tinha sorte, basearam-se no fato de eu ser jovem, saudável, ter uma profissão segura, um casamento feliz, um filho e uma família presente. Tive uma vida normal, cumprindo meu papel dentro do que esperavam de mim. Ainda que tenha pensamento alado e discurso libertário, sigo um roteiro assim descrito pela saudosa prima Simone Narciso Lessa: Mara é uma rebelde que obedece a todas as regras. Sob alguns aspectos fui careta. Libertei-me de dogmas impostos pela criação materna castradora, pelo pai silenciador e pelos doze anos de colégio católico. Com tantos grilhões, como me sentir plena? O passo a passo não me foi dado e sim, conquistado dia a dia por instrução, independência financeira, controle de pensamentos e de emoções, importantes para o equilíbrio emocional, liberdade, independência, autonomia, privacidade e autossuficiência. O que me sugeria ser uma mulher sortuda não mais existe, mas me considero pessoa com vida boa, ainda que me falte saúde.
Há um pensamento infantil generalizado de que ser grato, pensar coisas boas, querer muito, agir nesse sentido, e evitar certas palavras são encaminhamentos para a fortuna financeira, sucesso, fama, saúde, paz, amor e realização. Acredito em parte dessa receita. Desabafar com palavras fortes tem efeito adstringente e não atrai fato ruim.
No dicionário, sorte é força invencível a que se atribuem o rumo e os diversos acontecimentos da vida. Para Noah Webster, sorte é “uma força sem propósito, imprevisível e incontrolável, que modela eventos de forma favorável ou não para determinado indivíduo, grupo ou causa”. Max Gunther a define como “evento ou série de eventos, aparentemente fora de nosso controle, que influencia(m) nossas vidas”. Para Sêneca, a sorte não é aleatória, mas sim “o que acontece quando a preparação encontra a oportunidade”.
A palavra que designa má sorte, ou sorte desfavorável é “azar”; para alguns, palavra amaldiçoada que jamais deverá ser dita, devendo ser substituída por “insucesso”.
A crendice popular diz que “o universo conspira a seu favor”, que a sorte vem dos deuses, do misticismo, da cosmogonia, da metafísica; ou de amuletos mágicos como ferraduras, trevos de quatro folhas e pé de coelho. Culturas nômades leem a sorte ou o futuro nas mãos e nas cartas, mediante pagamento; as culturas africanas jogam búzios e interpretam tarô.
Eis expressões de domínio público relacionadas com sorte: céu baixo, chuva de pétalas de rosa, estrela cadente, chuva de arroz, céu de estrelas, dinheiro em calçada alta, cavalo encilhado, sonhar com dinheiro.
O contato humano, se não traz sorte, traz bem estar pelas trocas eletromagnéticas entre os corpos. Tais mesclagens energéticas são, como a experiência mostra, fontes de vitalidade, jovialidade e satisfação pessoal. A prova disso surgiu na experiência humana mundial cujas alterações corporais se evidenciaram na pandemia, durante o isolamento social – lockdown. Portanto, assim como a felicidade, a sorte é algo que se constrói de dentro para fora, e tem um brilho que todos percebem.