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Quarta-Feira,30 de Outubro
Mara Narciso

Versos sobre Sombra e Água

Publicado em 13/03/2023 às 21:53.

Paulo Ludmer, engenheiro, jornalista, professor e escritor paulistano, com dezenas de livros publicados, no título recente “Desconcertos de sombra e água, raridades das coisas” cria viagens abstraindo-se nas infinitas possibilidades desses elementos.

A noite e sua semiescuridão despertam seres imaginários, mas em seus versos raros não há obviedade. São elucubrações disparadas sobre grandezas e miudezas com indisfarçável técnica. As possibilidades da sombra são dissecadas em cada poema, em cada palavra, em cada letra, em cada sentido, em cada imagem que é criada.

Uma página, um poema, um desafio, um convite a pensar, a buscar entendimento no emaranhado de ideias. Há uma fuga deliberada do simples ao complexo. O autor faz o cérebro alheio se expandir, sendo instigante e instrutivo sem ensinar. Alguns serão vencidos por Paulo Ludmer, que se debruçou sobre um rol de palavras incompatíveis e as enfileirou com método.

Há uma abundância de plurais e duetos entre palavras feitas casais em casamentos irreconciliáveis. Como ele faz esse empareamento? Quem usufrui da leitura e chega ao fim, empatou com o escritor que sabe jogar. Acaba sendo uma partida na qual a sombra emerge dos cinco sentidos e conjuga todos os verbos em 170 páginas de edição caprichada.

O valor do poema não está ligado ao conjunto, mas à beleza e a independência de cada ideia. Quem procurar pela letra, irá se frustrar, porém quem procurar pela imagem, irá se banquetear. Tudo convida a um crescimento cerebral. Exige esforço, mas não cansa, porque traz cenários distintos num estímulo permanente.

A palavra tem cadência e ritmo e a sombra, festejada na maior parte das criações, em seu concerto silencioso funciona como uma orquestra. Alguns poemas são tão sonoros que se assemelham a uma sinfonia. Pula daqui e pula dali, também o sexo aparece. A enumeração de palavras raras forma a estética das imagens.

Sombra: “O corpo pela sensação, a sensação pelo tempo”; “Colmeia de rumores”. Que imagem!; “prótese da razão”; “impudicas fricções”; “langor de Netuno”; “divirto antes que o verso se aposente”; “instante da caneta”; “Sem provar nada na geologia livreira, ao grudar palavra na coisa que ela diz”; “incivilizado, o fogo respira comigo”.

Água: “Tenciona o arco da curiosidade, a imperfeição da paz”; “Cinzela falésias, delirantes continentes”; “na auréola líquida, suas gotículas põem e tiram estrelas”.

Umas poucas expressões se repetem em poemas diferentes. Comove o leitor ao lembrar a mãe (?), polonesa, fugitiva de campo de concentração nos versos “Sabor de sombra é a primeira banana no Porto de Santos/ que a polaca comeu na fuga do Holocausto”. Ou em “turva marolas e novelas no pólen do tanto faz”. Inventa vidas para recontá-las. O que leva um escritor a dedicar-se desmesuradamente a uma missão obstinada para criar as melhores imagens? E nelas usar uma infinda elegância?

As figuras poéticas novas estão em todo o trajeto, culminando na água com sua plasticidade desconcertante. A obra é um diamante de água.

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