O umbuzeiro da casa dos meus avós sempre existiu, desde o Gênesis. Não separo a memória afetiva infantil desse vegetal grandioso, na sua imponência deitada, porque era assim que existia, com pontos encostados ao chão, um cavalo para escanchar, um amigo para confidências. Seu volumoso tronco era direcionado para o lado esquerdo do quintal acimentado e sua copa ocupava imenso espaço. Descendia de uma árvore da Aliança, fazendinha de tio Indalício, mas era muito diferente da ancestralidade. Lá com uma característica, aqui com outra.
Ainda que professores negassem a existência das quatro estações no sertão, no quintal de Petronilho e Du Narciso eram notadas no umbuzeiro. Em um período do ano a árvore ficava pelada, feito morta, com sua sequidão desgalhada como garras apontando para o céu. Na brotação, as folhinhas tenras tinham um gostinho bom. Criança que se preza usufrui de cada fase e não raro comia uma folha nova.
Adiante acontecia a floração em cachos de flores brancas, pequenas, com delicado odor, apinhada de abelhas pequenas e pretas. Feito mágica, surgiam os frutos pequeninos, que logo cresciam, gerando em nós crianças imensa expectativa. Vovô era firme na proibição de que subíssemos em certas fases da frutificação para evitar perda de flores e frutos. Obedecíamos.
O quintal era varrido diariamente e frequentemente lavado. Debaixo da árvore brincávamos de casinha e guisado, com a ajuda de vovó.
Em dezembro os frutos começavam a cair, iniciando o ritual de chupar umbu. No ápice da fartura a todo instante caíam alguns, de pele lisa, de cor verde clara e com um gosto adocicado incomum. Essa aparência, perfume e sabor são aquelas marcas que grudam em nossos sentidos mais primitivos.
De manhã, os umbus eram catados e lavados, enchendo a geladeira. Ao fim do dia, algum retardatário voraz sacudia o pé, com cuidado para não derrubar os verdes. Os frutos de vez eram ainda mais doces e davam “gastura” nos dentes.
Na época dos umbus, a goiabeira e a figueira, esta entrelaçada ao umbuzeiro, faziam suas oferendas. Tudo se acabou, avós e umbuzeiro. Ainda que soubéssemos que o mais comum era dizer as palavras com “u”, a vontade de rever o que não pode voltar é forte, e vem como saudade de “imbu” e “imbuzeiro”, assim chamados por nós que deles nos servíamos.