Mara Narciso

Tristeza não tem fim

Publicado em 23/12/2024 às 19:00.

Uma tristeza profunda habita o olhar de Pagu, nossa cachorrona linda, querida e amada. Deitada, faróis baixos, entregue ao seu infortúnio, com a cara no chão, escolheu como ponto de observação o alto de dois degraus, na entrada do corredor. Estando a porta da frente aberta, dali pode, com olhos para além do portão vazado, perscrutar a rua, dia após dia, à espera de Frida Linda.

Desde a morte de nossa cachorrinha, ela está assim, sem apetite, emagrecida, cabisbaixa, o que oculta seu porte elegante e majestoso de rainha mestiça, sem raça definida. Caso minha Pagu pense, anda afogada em pesares.

Na primeira vez em que fomos passear no Parque Sagarana, ao entrar no carro, Pagu procurou por Frida e não a encontrando, ficou com as pernas e queixo trêmulos, com ar sofrido, inquieto, agoniado, esboçando choro. Mesmo assim, tem sido levada ao Parque com mais frequência. Uma vez, nublou de repente e ela, olhando medrosa, parou, encolheu-se, colocou o rabo entre as pernas, quis ir embora, e até correu para o carro. Sua sensibilidade está a flor da pele, depois de nossa dolorosa perda.

Anda pela casa, vai ao quintal, busca por Frida, aflige-se, então, em desalento, deita-se nos lugares em que a outra se deitava, como se fosse possível tirar energia vital do odor deixado pelo corpinho dela.

A cama de hóspedes, que as duas dividiam, está quase abandonada. A dor que atravessa o peito de Pagu a obriga a procurar outro lugar para descansar, então, passou a dormir debaixo da cama de Fernando. Ali, onde Frida ficava com frequência, não a cabe, mas, exercendo grande esforço em se contorcer e se dobrar, entra e sai várias vezes durante a madrugada, naquele sono interrompido dos que sofrem.

Insegura, receia por perder Fernando, tal como já lhe aconteceu. Segue meu filho pela casa, vigiando-o, tentando segurá-lo com os olhos. Quando percebe que ele está saindo, fica em estado de alerta. Temos evitado deixá-la sozinha. Quando, pela movimentação, descobre que sairemos os dois juntos, fica de orelhas em pé, então se antecipa a nós, e corre em direção ao carro. É horrível ter de fazê-la descer, gerando sofrimento em nós três. Nas poucas vezes em que isso tem acontecido, ao chegar em casa, mal estaciono e abro a porta, Pagu vem ao carro, entra, e, enquanto procura pela parceira, emite sons lamentosos.

É urgente criarmos derivativos para mitigarmos sua solidão e novas necessidades. Respeitando sua perda e vazio resultante, aproximamo-nos dela com maior frequência, para lhe dar mais atenção, afeto, conforto e carinho.

Fernando está levando-a a passear pelo bairro todos os dias, coisa que ela faz acelerada, para tomar o caminho de volta em poucos minutos. Outro dia estancou, mal chegou à esquina e tiveram de voltar.

Devido ao sofrimento, deixa comida na tigela e emagreceu; mudou seu ritmo e comportamentos. Foram-lhe oferecidas castanhas, mas, mesmo salivando, ela as rejeitou.

Estamos adequando nossa dor à dela, evitando aborrecê-la. Sabemos o que aconteceu, mas ela não, por isso tenta compreender a verdade: não veremos Frida nunca mais!

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