Mara Narciso

Parzinho de jarras

Publicado em 31/07/2023 às 19:00.

Antigamente, quando Montes Claros era uma “rocinha iluminada”, como uma pessoa de Belo Horizonte chegou a depreciá-la, o pavor da mulher da alta sociedade era encontrar outra com um vestido igual ao seu numa festa no Automóvel Clube.

Havia butiques elegantes, mas que compravam mais de um vestido do mesmo modelo e até da mesma cor, como também havia as costureiras das famílias ricas e suas peças únicas. As festas eram um acontecimento para o qual se preparavam por meses. Algumas senhoras contratavam modistas da capital, escolhiam o figurino e faziam as provas, mas a maioria consumia os recursos locais. Caso uma mulher se encontrasse com outra com os mesmos trajes num casamento, daria meia volta e iria para casa. Ficar seria humilhante. Dizia-se que formavam um parzinho de jarras ou, anos depois, que seriam uma dupla caipira e lhes perguntavam: vão cantar onde?

Estar trajando roupa diferente um do outro nunca foi uma intenção dos homens. Todos saíam de terno, na década de 1950, e assim, estar igual era o certo. Vez por outra, havia uma remodelação completa no corte da roupa, seguindo a moda europeia. Imaginar todos de terno sob o sol forte de outubro em Montes Claros traz uma visão crítica da moda. Como eles conseguiam trabalhar vestidos assim?

Pessoas das classes empobrecidas da zona rural vinham à cidade e se abasteciam com uma peça de tecido com a qual a mãe fazia roupas iguais para ela e os filhos entre camisas e vestidos. Quando, tempos depois, a família visitava a cidade e entrava na igreja com indumentária de tecido idêntico poderia despertar comentários nada discretos.

Ainda hoje se vê crianças com roupas do mesmo padrão em festas na roça, mesmo que não haja mais diferença entre o vestir de lá e o de cá há décadas, desde a popularização da televisão e agora da internet. Gente rural ou citadina se veste da mesma maneira.

O que era evitado pelas classes abastadas, como estar ao lado de outra pessoa com roupa igual, foi abraçado por elas, que deram adeus à exclusividade, pois se tornou tendência em festas chiques ou em situações casuais, mãe e filha aparecerem com vestidos do mesmo pano. É o chamado look combinado, com ambas usando trajes da mesma estamparia. O que era cafona, virou moda, assim tal mãe, tal filha significa roupas idênticas. Pais e filhos também podem estar usando ternos iguais em festas finas, em especial ao ar livre e diurnas, mas é menos comum.

Depois da roupa formal para homens vieram os jeans e camisetas e, para os jovens, vestirem-se iguais era uma espécie de bandeira, com todos uniformizados. “Liberdade é uma calça velha azul e desbotada” iniciava um comercial da década de 1970 que foi muito atacado na época de Ditadura, porque liberdade é muito mais do que isso.

Não existe certo e errado, apenas diferenças geográficas e temporais. O que é errado aqui, lá adiante é certo, e o que é certo aqui pode ser crime noutro lugar. A cronologia e a distância propiciam mudança em hábitos e em leis. Para frente é que se anda, mas a moda costuma se inspirar lá atrás.

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