No sétimo dia Deus descansou, mas quem tem obra em casa não descansa, não dorme. Hoje vivo o 40º dia de reforma em casa. A Bíblia e a ficção têm forte ligação com o número 40. Foram os dias em que Jesus jejuou; no Dilúvio foram os dias e as noites em que choveu; foram os companheiros de Ali Babá; é o prazo da quarentena, portanto é uma marca limite que, para além, é impossível suportar. Há sete anos minha casa foi pintada pela derradeira vez e eu queria que fosse de fato a última, por ter sido uma situação tão extrema de mau serviço, com tantas coisas avariadas e pintura dos muros do quintal debaixo de chuva, que me decidi por não mais pintar a casa. Mas o limite chegou e como era necessário substituir o assoalho da sala, ampliei a decisão e a reforma começou. Listei os pontos problemáticos para reparos, e assim a pintura entrou no rol. Também seria necessário restaurar com sinteco a tábua corrida dos quartos. Quando a jornada é longa, recomenda-se juntar todas as forças na largada e pensar no objetivo final, pronto e acabado. Se não fizermos isso, enlouqueceremos antes de atingirmos a metade do caminho. Além disso, foi preciso me municiar de bombinha para asma, e tê-la sempre à mão. Não é a intensidade do odor que causa uma crise de asma, e sim os vapores que se volatizam, a concentração deles no ar inspirado e o tempo de exposição. Espírito e armas preparados, lá vamos nós nessa aventura, com profissionais escolhidos por indicação de amigos, que chegaram a me dizer: você vai gostar desse profissional. Isso anima, mas os sustos e problemas são permanentes durante todo o percurso, além de avarias de móveis, etapas mal concluídas e quando vem o estresse que nos deixa a ponto de entrar em colapso físico e mental, é preciso dar uma volta fora de casa, respirar fundo em um ambiente sem pó, sem visão de coisas empoadas, decisões fora do combinado, prejuízos e assim seguimos. Então, os resultados começam a aparecer e são um alento para o espírito cansado de se viver tantos dias em meio ao caos, respirando evaporações de cimento, pó levantado pela maquita, objetos desaparecidos em meio à confusão. E nesse meio tempo, investindo em atenção a Pagu, nossa cachorrona linda, querida e amada, para que consiga sobreviver ao pânico por ter seu refúgio invadido por homens estranhos, o seu pavor – assim como Carlos Alberto Brilhante Ustra foi para Dilma Rousseff. A pintura, já na primeira semana dessa etapa, corre solta com a reprise das mesmas cores de tintas da vez anterior, o que traz a luminosidade de tons suaves, e a certeza que, em mais cinco semanas teremos um lugar melhor para respirar, viver, receber amigos e criar novos textos, isso sim, anotar pensamentos é sinal de vida; é necessidade interna semear a existência ao salvar reflexões e pontos de vista. O registro das rotinas faz o tempo parecer mais lento. O que é a vida sem ler e escrever? É uma sequência de pensamentos revisitados, uma reprise de nós mesmos, e se lemos, viajamos no pensamento do outro, dele podemos tomar posse e viajar longe...