Continuo a falar de um amor que tenho, ainda que não mais exista o objeto desse amor. Quando a ruptura se dá por morte, o amor se fortalece, mesmo atordoado pelos acontecimentos fatídicos da partida definitiva.
A saga do martírio de minha cachorrinha preta Frida Linda, de seis anos e toneladas de amor mal ajustados em sete quilos, sai do teclado com delicadeza, homenageando essa Lady meiga, doce, educada, uma dama de raça não definida, cujo pai era maltês preto e a mãe é poodle branca. Naquela ninhada de quatro filhotes, escolhi a menor, de pelagem preta. Quando a vi pela primeira vez, era um bichinho estático, desdentado, de olhos fechados, mal saído do ventre materno. Sua mãe Ana Flor a amamentava sem distinção entre as quatro filhas, duas pretas e duas brancas, as pretas de focinho alongado e as brancas de focinho achatado.
Frida foi minha primeira cachorrinha; sua mãe morava na casa de Tia Áurea, que a presenteou a mim. Tudo que Frida possuía, foi-nos dado: amor. Sua capacidade perceptiva de visão, olfato, audição, lógica e compreensão do mundo era bem definida. Possuía um olhar observador agudo do ambiente, parecendo prever os acontecimentos da casa. A fragilidade física, devido às perninhas arqueadas – uma mistura genética pouco acertada, não a impediram de ser ágil e sadia; em toda sua vida só teve duas doenças: otite, ainda filhote e agora, a piometra – pus no útero, no final do cio. Foi submetida à castração, quando foi detectado um câncer na mama, e morreu no primeiro dia de dezembro, possivelmente de septicemia – infecção generalizada, doze horas após eu ter escrito que aproveitaria sua presença até a última gota.
A sua vida acabou às 19h55m quando meu filho Fernando e eu a levávamos ao hospital, no quinto dia de pós-operatório para tomar uma injeção de antibiótico, porque estava vomitando os remédios. No colo de Fernando emitiu um urro tentando respirar, esticou o pescoço para trás duas vezes, em seguida, pendeu o pescoço para um lado e parou. Findava ali a vida de Frida Linda, cujo corpinho ficou no hospital, acondicionado em uma caixa apropriada para ser submetido à cremação coletiva.
Os que tiveram a experiência de conviver com um animalzinho de forma próxima, dentro de casa, com intensa troca de amor, entendem o sofrimento que é essa perda. Frida era um serzinho puro e leal, um bichinho feliz e acelerado. Todo movimento no lar se transformava em festa. Era pegar uma vassoura, que ela corria para ver a varrição, contente, dava pulos e cheirava os montinhos de lixo. Eu lhe dizia: acho que antes de ser cachorrinha você foi uma bruxinha. Nunca vi gostar tanto de uma vassoura!
Sua presença está em toda parte, mesmo sem ver seus pertences. Sua morte é dura provação e lembrarmo-nos de sua imagem nos faz chorar. Que esse luto transcorra e acabe, para se transformar em suave lembrança. Enquanto isso, há um oco dentro do peito, uma falta agoniada, que, por enquanto, nada consegue aplacar. Enquanto choramos, tentamos nos conformar ao ouvir a solidariedade de amigos. Eu amo Frida Linda!