Mara Narciso

Dominação permitida

Publicado em 10/07/2023 às 20:00.

Há quem receba atenção de alguém e retribua com quase nada ou mesmo não retribua. Continuando em sua estratégia, aquele que, aparentemente não liga para o outro, em contrapartida faz reprimendas disfarçadas de divergências de opinião, como uma maneira de oprimir e crescer diante do oponente, fixando-se então como autoridade. Ao aceitar essa maneira de ser tratado, o que está sempre disponível acaba por consentir ao outro uma validação do domínio exercido sobre ele. Com isso se estabelece o binômio dominante e dominado. As críticas proferidas pelo que já comanda parecem sutis, mas tal maneira de lidar com os acontecimentos acaba por, naturalmente, definir uma hierarquia. Poucos se dão conta disso, e os que percebem custam a sair dessa desgastante relação.

Falando de outra maneira, pode-se dizer que há um relacionamento afetivo tipo namoro ou fraterno entre parentes e amigos, no qual um se dá muito, o outro oferece migalhas e ainda reprime; em tudo que diz há conotação de desprezo e de humilhação ao subordinado. Naturalmente surge um tipo de poder com subserviência de quem muito oferece. O egoísta se fortalece ao perceber seu domínio. Trata-se de uma relação tóxica, com sofrimento do ofendido, que não tem completa consciência do fato, ou se a tem, falta-lhe força para reverter a funcionalidade tempestuosa da situação. A covardia advém do medo de perder algo que ele nem mesmo sabe o que é, mas, ao pé da letra, seria perder a opressão de quem o comanda.

Sentir-se dominado é uma espécie de prisão sem grades, em que nem tudo é premeditado. O dominante nada dá, faz isso para prender o outro, numa aparente contradição. Em geral tem gênio irascível. Segue um sistema próprio em que quando algo o contraria, pode manipular engenhosamente ou gritar para aumentar seu domínio. Mesmo mandando, o aparente desdém sugere insegurança e medo de fracasso. Trata-se de alguém imprevisível, e esta imprevisibilidade é usada como arma. Às vezes atua agressivamente para intimidar e calar o outro, assim mantém o controle apenas pela hipótese de poder explodir ou romper tudo a qualquer momento.

Quem está subordinando nem sempre é cruel. Vez por outra faz, com esforço, uma fala doce, um arremedo de elogio. Não se deixe enganar. A intenção dele é se fortalecer e tornar ainda mais fraco seu subordinado.

Vai tecendo sua teia, a princípio, não intencionalmente, e enquanto cresce captura o outro. O emaranhado vai se ampliando, até o nó quase sufocar a presa. Lembre-se, é um dueto. Sem a vítima não haverá o algoz.

Como descobrir isso? Como fazer o diagnóstico para se afastar em definitivo daquele comportamento que tanto mal causa? Aquele que é controlado contribui para que a dominação se instale e se mantenha. O que fazer para sair dessa vivência opressora e sem futuro? Comporte-se de maneira neutra e se afaste pouco a pouco, sem ruptura traumática. Não há maneira fácil de reverter uma relação humana patológica e transformá-la em algo saudável e prazeroso. Geralmente é preciso buscar a ruptura e o fim. 

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