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Terça-Feira,14 de Outubro
Mara Narciso

A mulher invisível

Publicado em 13/10/2025 às 19:09.

Tempos atrás, as mulheres viviam menos que hoje. Aos trinta anos eram velhas e Honoré de Balzac escreveu sobre as balzaquianas. Aos quarenta, as viúvas vestiam luto, usavam coque nos cabelos e iam à igreja. A mulher, até antes dessa idade, não mais se candidatava ao casamento, e se solteira, ocupava um lugar abaixo ao de viúva.

A invisibilidade da mulher madura é o ambiente em que está, aos 56 anos, Cecy, a viúva de Téo, o marido vivo. Após um casamento de 30 anos de desencontros, desencantos, indiferenças e quatro filhos, essa mulher inteligente, pele clara estragada pelo sol e pela vida dura, magra, pobre, moradora de uma pequena casa em um bairro operário, continuava a carregar o marido como uma maldição. O divórcio, apoiado pelos filhos, demorou. Além de grosseiro feito uma porta jogada pelo vento, Téo era dado a opiniões radicais: não tomo remédio! Apresentava hipertensão e hipotireoidismo, doenças crônicas de medicação diária. Cecy cuidava de suas mazelas e das de seu esposo.

Após o divórcio, os filhos construíram no mesmo terreno, uma habitação de três cômodos para o pai, supondo que um não perturbaria o outro. Téo mostrou-se inábil para cuidar de si. Saía do barracão, sentava-se ao lado da porta da ex-mulher e esperava algo para comer. Cecy, condoída com a sina do ex-marido, dava-lhe café com pão. Os filhos levavam-lhe almoço. As vasilhas começaram a empilhar. Diante do impasse, a ex-esposa limpava a sujeira.

A penitência foi longa. Em lugar de uma casa e uma trouxa de roupas havia duas. Cansada, ela abarcou a dura missão, e voltou a fazer almoço para dois. Pensa que ele reconheceu o favor e ficou manso? Não! Atacava a boa samaritana com palavras e agia como na época de casados, querendo tomar conta do tempo dela. Não bebia os remédios entregues na mão, e quando Cecy insistia, a ignorância explodia: jogava o remédio comprado pelos filhos e dados por ela, acintosamente, no lixo. A tireoide dele não funcionava e, sem remédio ia ficando a cada dia mais pálido, lento e inchado. Foi preciso dissolver o medicamento e escondê-lo dentro da comida, ainda que fosse comprimido para ser tomado em jejum. Téo descobria e maldizia a mulher. Algum dia tomava, em outros falhava.

Para alimentar seu lado espiritual, Cecy passou a frequentar uma igreja evangélica em cuja doutrina era proibida a vaidade. Parou de pintar os cabelos, não se depilava nem usava nenhum adorno. Com os cabelos brancos e aparência frágil, o que mais rápido percebeu foi sua invisibilidade e desconsideração alheia. Ninguém a via, ninguém a ouvia. Sua fala em um grupo da igreja ou em uma caixa de supermercado não era atendida. Quando chegava em uma agência bancária, todos lhe cediam a cadeira ou o lugar na fila, até mesmo grávidas. Nada disso acontecia meses antes. Decidida a acabar com essa sua não existência, pediu autorização ao pastor para voltar a pintar os cabelos e explicou seus motivos. Com a concordância, essa boa mulher atenta ao mundo ao seu redor e sem preocupação estética, voltou a ser vista e sua voz ouvida devido à tintura nos cabelos.

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