O ano era 1951 e eu tinha 13 anos. São Romão era uma cidade pequena com ruas ainda não asfaltadas e a gente brincava de pique, de amarelinha, de anelzinho e de outras travessuras.
A minha casa tinha várias janelas na sala da frente e era onde eu e minha mãe ficávamos, do lado de dentro, para ouvir as serenatas que os rapazes faziam, usando lanternas para lerem as letras das músicas, de vez que ainda não havia a luz elétrica. Cantavam primeiro para minha mãe: “A deusa da minha rua...” e depois para mim: “Eu sonhei que tu estavas tão linda...” Minha mãe era minha amiga e confidente.
Meu pai era um homem alto, forte, bonito, falava alto e odiava mentiras. Toda novidade que lhe contavam, ele queria tirar a limpo. Era um paradoxo até. Tinha fama de bravo, mas com minha mãe e os filhos era carinhoso e sensível. Quando eu participava de teatrinhos na escola ou na Casa Paroquial, ele até chorava emocionado, ao me ver representando. Sempre me dizia:
“-Quando for namorar, não quero que namore na rua.”
Eu gostava mesmo era de brincar de teatrinho, de ser trapezista do circo montado debaixo do umbuzeiro e de jogar bola em um campo improvisado debaixo das mangueiras do quintal. Mesmo assim, comecei um namoro meio escondido com um dos meninos.
Certo dia ele me chamou para conversarmos. Bem próximo à minha casa havia uma praça e nela uma escultura de Nossa Senhora das Graças em cima de um pedestal e logo embaixo, alguns degraus, onde nos sentamos.
De repente vejo chegando na esquina da rua a figura do meu pai, com os braços cruzados para trás. Saí correndo e fui para minha casa pela outra rua, com medo dele brigar comigo ali mesmo.
Cheguei esbaforida em casa e falei para minha mãe: “- É hoje!”
Contei rapidamente o que acontecera e me refugiei no meu quarto que ficava nos fundos da casa. Tremia de medo do que poderia acontecer, sentada na cama.
De repente, meu pai entrou, sentou-se ao meu lado, passou o braço no meu ombro e beijou minha testa, dizendo: “-Minha filha, eu não quero que namore na rua; peça seu namorado para vir namorar aqui.”
Eu o abracei também, enquanto ria e chorava ; ria de alívio e morria de vergonha por ter desobedecido as ordens dele e prometi a mim mesma que nunca mais iria contrariá-lo.