Alexandre FonsecaJornalista, mestre em literatura e doutorando em literatura

O Louco, o Vinho e a Essência

Publicado em 24/01/2025 às 23:00.

Nos últimos dias, Pugilista me confidenciou que está tentando se entender, descobrir quem ele é em sua essência. Disse que, por ter passado a vida inteira em relacionamentos, nunca teve tempo para pensar em si mesmo. Conversamos muito em uma noite dessas, enquanto esvaziávamos uma garrafa de vinho verde na sala do meu apartamento. Bebíamos, ríamos e nos olhávamos. E, ao encarar os olhos etílicos dele, percebi algo universal: o medo de saber quem somos.

Será que isso existe mesmo? Saber quem somos?

Um amigo, muito espiritualizado, certa vez me disse que precisamos reconhecer nossa essência para não sermos levados pelos ventos para qualquer lado. Mas, se temos uma essência, isso significa que não podemos mudar? Será que, por exemplo, um homem que traz na essência a tolice jamais poderia se tornar perspicaz?

Saber quem somos é difícil porque essa resposta inevitavelmente passa pelo outro. Se o inferno são os outros, como dizia Sartre, eu, você e Pugilista somos o inferno de alguém. Mas o que me interessa é o paraíso. Ser bom para o outro, a ponto de ele nos confiar a coisa mais íntima que se pode compartilhar: a solidão da existência.

Pugilista, a resposta para sua pergunta, entre goles de vinho borbulhantes e fumaça de cigarro, é complicada. Talvez eu tenha tentado respondê-la com o encorajamento do álcool. Às vezes, penso que é mais fácil saber o que não somos. Por exemplo: pense nas coisas ou nos tipos de pessoas que você jamais seria. Experimente esse exercício mental.

Deixe-me começar.

Tenho horror às pessoas levianas, que desrespeitam o coração dos outros e confundem amor-próprio com egoísmo. Tenho horror às pessoas acomodadas em si mesmas, que não ousam fazer as perguntas que poderiam abalar suas estruturas. Tenho horror àqueles que, tendo nas mãos a suavidade, escolhem a rudeza, as asperezas e a imbecilidade.

No tarô, Pugilista, a primeira carta é o arcano d’O Louco, que não é numerado como as demais. Ele é o símbolo do começar e do recomeçar, porque o início e o fim são infinitos. Às vezes, é preciso uma dose de loucura para começar a jornada da autodescoberta. Mas cuidado: não se descubra por completo. Certas partes precisam do mistério e da noite. Como a outra face de Deus.

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