Alexandre FonsecaJornalista, mestre em literatura e doutorando em literatura

Além do cansaço

Publicado em 12/08/2022 às 21:54.

O carro da laranja, docinha, suculenta, direto da roça, acaba de passar na rua da casa dos meus pais. Minha vontade? Pedir educadamente que o motorista saia do carro e me passe o volante. E como um desbravador cansado de tudo, sair por aí, com minhas laranjas, poeira no ar, eu e D’us. O problema é que não dirijo e, ainda por cima, sou medroso. Medroso, não, que nesse caso seria um crime. Pra falar a verdade, sou mais cansado do que propriamente medroso. E fico pensando na trabalheira que daria sair por aí, ao sabor do vento, sem rumo.

Em uma vida passada, até poderia ter sido um cigano ou eremita, assim como na carta de tarô. Agora sou fixo. Gosto de algo que o horóscopo diz ser incompatível com meu signo. E tenho pavor de quem não gosta de rotina. Na verdade, até entendo quem não goste. A juventude tem pavor de rotina: gosta de novidades, estar rodeada de surpresas, ser docemente livre. Mas, como já passei do meu “Retorno de Saturno”, sou um adulto jovem. E odeio surpresas, assim como detesto ser surpreendido em plena 4ª feira por algo não programado. Jovens gostam de visitas surpresas. Adultos têm horror. Jovens são eternamente disponíveis. Adultos são eternamente cansados.

O detalhe que baliza a fase adulta é o cansaço. Todos adultos que conheço estão cansados. Cansados não, exauridos. Estou abatido, mas não daquele abatimento que passa com uma boa noite de sono ou de amor. Aliás, tem gente que acha que fazer amor todos os dias é um bom método de descanso. Imagina? Transar todos os dias? Deus me livre! E meu cansaço também não é de labuta, porque gosto muito do que faço. Aliás, meus amigos, apesar de serem apaixonados pelo que fazem, estão derrubados pelo chão, como guerreiros abatidos. Existe algo no ar, um cheiro fétido; algo no gosto da água, que inibe a alegria. Antes, as pessoas que conheciam eram alegres ou, pelo menos, buscavam ser. Hoje, cambaleiam por aí, sobrevivendo ao que a vida nos oferta.

Sei que estamos muito fadigados. Meu peito dói em ver que nem uma chuva de Zolpidem daria conta. Mas eu queria todos alucinados, língua para fora, revestidos de alegria, mesmo que por um instante, voltando a ser criança. Maravilhados até mesmo com visitas inesperadas e sexo as três da manhã, de uma 3ª feira sonolenta. 

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