Parece que ouço hoje a voz de minha mãe, gritando lá da janela da cozinha... Mas sai o que!
Fora uma seca de quase três meses naquela virada dos anos 50, que tomar aquele banho de chuva era essencial, primordial, questão de sobrevivência final. E o pior e que, servindo de bom ou mau exemplo, não me importa, sei que minha visão sapateando nas poças d’água, extravasando minha alegria debaixo daquele verdadeiro lençol que se derretia das nuvens, fez com que logo toda a molecada da vizinhança caísse só de calção, como eu, na farra molhada. Aos poucos, as calçadas, os jardins e os fundos de quintais pelos adultos mais reservados, foram sendo invadidos pelos mais velhos que sentindo inveja de nós moleques, também caíssem na chuva.
E podem acreditar, até minha mãe!
Não deu para segurar e logo, para risada de todos os amigos e vizinhos eu gritei: “Sai da chuva mãe!” Como foi gostoso ver a velha pegar o primeiro galho seco que encontrou pela frente e sair correndo, de brincadeira, atrás de mim debaixo da chuva. Ela correndo atrás e eu fugindo, enquanto a molecada e os vizinhos faziam coro: “Pega! Pega! Pega!” Mas pega o que! Mas malandramente, ao sentir que minha mãe havia cansado, diminui a velocidade de minhas pernas secas e compridas e a deixei alcançar-me. Primeiro fui seguro pelo braço e recebi algumas varadas que nem cheguei a sentir, de tanto carinho com que foram desferidas, e depois, um forte abraço e um beijo: “Seu moleque sem vergonha!”
Mas a chuva foi embora, o sol voltou a brilhar sobre um imenso espelho d’água nas ruas e calçadas. Depois de chutar mais algumas poças no chão de terra batida, aos poucos toda molecada se recolhendo.
Para mim, já tinha uma banheira de água quente recolhida da chuva pela minha velha e aquecida na chapa do fogão a lenha.
Não sei, mas não recordo de ter ficado resfriado por causa daquele banho de chuva, não.
Só recordo que o banho quente depois, deixou meu corpo todo arrepiado... Sei lá, talvez porque no calor daquela banheira, estava também o carinho de minha velha. Não posso esquecer de que enquanto tomava banho, depois me secava e vestia a roupa, ouvia incessantemente lá da cozinha... “Seu moleque!”... “Seu moleque!”...
Podem ter certeza de que já adulto muitas vezes tomei banho de chuva, alguns propositais e outros não e saibam também que não sei por que, nenhum tão gostoso como aquele, mas posso assegurar que aquela voz hoje gritaria diferente.
“Sai da chuva, seu moleque!”