Coluna Altos e Baixos, por Eduardo Lima: publicação de sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

Jornal O Norte
12/01/2007 às 11:39.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:55





PRENDAS




Vieram do norte umas prendas; uma matula composta por pequenos tesouros - Canarinhas e Fabulosas, aguardentes de moral e requeijão de Salinas. O requeijão de Salinas é escuro e gordo. Parece suar e, guardado, cria por cima um mofo, uma cadeia de fungos que assegura a qualidade da peça. Depois de mofado retira-se a casca e aí o requeijão estará no ponto, sequinho e próprio para um café bem quente adoçado com rapadura. No mais vieram doces; um de casca de laranja, também no melado de cana, um doce incomum, de paladar finíssimo, que se feito na Europa teria fama no mundo, tamanha a sua fidalguia.





Na mesma matula rapadura batida. Molinha. Clarinha, boa de cortar e que dissolve na boca. Presentes tão requintados e de mesmo modo tão simples, que agradam a todo gosto. De Montes Claros vieram sabores e saudade. Licor de pequi, da Corby. Seu Corby - Corbiniano Rodrigues Aquino - me lembro, numa velha pick up Willys, vendendo os licores em sacos de linhagem, embalados cuidadosamente, litro a litro, em palha de milho seca. As cachaças também vinham assim da origem e mesmo meu pai representou a Dominante e a Mundial, uma de Januária, outra de Brasília de Minas.





O sabor é marca de minha vida, em especial de minha infância. E sabor e cheiro são irmãos, um aturde o outro e o cheiro tem memória vivíssima, tal e qual paisagem. Assim é que me lembro do mercado em Montes Claros, do caldo de cana de seu Ilídio e da geléia de seu Artur. Tudo assim, com todos os aromas misturados à imagem imortal da velha edificação de teto altíssimo e paredes de adobe, marcadas pelas colunas de dormentes e uma torre encimada por um velho e desorientado relógio de quatro faces. Tesouros cheirosos de minha infância que guardavam em si tudo; caldo de cana, geléia, fumo de rolo, melancia viúva, panã, coquinho azedo, umbu, jatobá, requeijão, temperos, carne de sol, pequi e outras alegrias.





Os presentes vindos do norte foram mais alentadores do que por sua simplicidade, ou sua gostosura; mal sabe do agrado que me fez quem os trouxe, em mim e em mais montesclarenses – há montesclarenses em todos os lugares. De mais valia vieram lembranças, revolvidas à alma, maneira sensorial - e essencial - de reencontrar a vida. A vida que vivemos e fica, como se fosse o presente. Agradado fui embora, deliciar o ido. E na manhã seguinte, ao entrar no carro, senti o rastro dos agrados. E segui, vidros bem fechados pela rua.





Curtindo uma linda manhã de Belo Horizonte, mas aspirando Montes Claros. A saudade ciciando o olfato e eu, o cidadão mais feliz deste canto do planeta, partido em universos impossíveis ao limitado estado físico. A saudade me tornava muitos, ao mesmo tempo, em todo canto...

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