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Domingo,22 de Junho

Coluna Altos e Baixos, por Eduardo Lima: publicação de sexta-feira, 05 de janeiro de 2007

Jornal O Norte
Publicado em 05/01/2007 às 10:30.Atualizado em 15/11/2021 às 07:54.

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A SAUDADE DISSE À SAUDADE





Revendo fotos e organizando a história visual da gente lá de casa, uma saudade passou por mim. Sempre passam as malinas. Passam como vento rápido, somem, vão caçar rumo, dormir talvez no canto que moram – e é na gente. A saudade é assim, bole. Nem sempre é nostálgica, nem sempre se liga a fatos, a alguém, apenas vai e vem, como gangorra a embalar os sentimentos nossos.





Saudade não chega a ser lembrança; lembrança revive, recompõe um episódio, situações. A saudade não; a saudade pode ser nada. Vento breve que cicia, sopra o cabelo, afaga, faz cócegas. Se vem um fato, se vem a moça de saia, se vem a bola de pano ou de gude, se vem uma rua ou um rio, é lembrança. Uma ponte é lembrança, tal qual um beijo. Uma canção, nostalgia. Se vem um cheiro ou visão, deja vu.





Quando bate uma dor ou nos curvamos, se se esquentam os olhos e se marejam e a lágrima pede – salta – melancolia é. Se nos falta alguém, se a imagem se esvai como num sonho e o tempo engoliu o amor nosso, é privação de presença. Se da terra longe vem um clipe, um flash, uma imagem quase viva, diz-se afastamento. Não há sintoma de saudade.





A saudade não tem forma, é a alma, a inconsistência, o nada das sensações. Se nos toma uma agonia de final de dia, a indecifrável, talvez saudade seja, de nada. Do que não vivemos, pois saudade é sensação de incompletude, anagrama, a esfinge minha, a sua, a nossa. Se um dia mais vivemos, uma saudade mais se guardará. Tente lembrar-se de algumas. As danadas não se permitem.





Recordar é possível: fatos e gente, episódios e sensações, momentos, lugares, ouvir, ver e sentir momentos idos revendo fotos, paisagens, gente de nosso querer. Mas a saudade mesmo, na sua essência, a sutil, não vem assim tão cheia de ligeirezas. Parece brincar de cabra cega. Nega-se solene, faz jeito de marota, prenuncia um sorriso quase para desespero nosso. Mas se quisermos, e nos permitirmos, ela decerto se achegará sussurrando induvidosa de saber: saudade mesmo sentimos de nós; do que fomos diante das coisas sem compreendê-las ou tentar compreender. Somos apenas lembranças, retalhos, colcha de fuxico.       

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