Coluna Altos e Baixos, por Eduardo Lima: publicação de quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

Jornal O Norte
17/01/2007 às 13:18.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:55



 

BEM BEBER BEM








Confesso que tenho medo da ciência - ciência demais. A de menos cega provoca alienado conforto diante da vida; a ignorância vela por nós. A ciência vasta, esta que o homem utiliza como luz é, quando lhe cabe a vez, um labirinto, mesmo que nela nos miremos e nela nos descubramos. Sendo, contudo, inesgotável, o saber é impreciso. A ciência humana é apenas uma constatação temporal, baseada em fatos presentes, recursos presentes, métodos à mão, o que permite a dúvida e, pois, a efemeridade dela.





Talvez a matemática possa ser tratada como perene, embora não seja surpreendente saber um dia que dois e dois quatro não são; outra ciência não perduraria - a verdade não é virtude da imprecisão. Vejam que, de tempos em tempos, há descobertas surpreendentes. Algo que sempre fez bem começa a fazer mal e vice versa. É, destarte, digno de reservas o fervor dos cientistas.





Leio e conto que o Centro de Investigações Científicas da Espanha e o Instituto de Medicina dos Estados Unidos concluem que água faz mal. Até mata. Não por afogamento, como se sabe, mas por excesso de ingestão. Beber água além da conta pode produzir, em magros, intoxicação. A redução de sódio no organismo provoca tremores, confusão, perda de memória e até a morte. Água a mais do que a necessidade do organismo, prosseguem afirmando os estudiosos, sobrecarrega os rins, que demoram a filtrar o excesso. Neste caso, até a completa absorção, as células incham, podendo levar a pessoa a transtornos nervosos e coma, falência orgânica.





Vejam então que, inocente e refrescante, a água é também um meio de morrer e tudo o que se ouviu até então a seu respeito pode não ser toda verdade. Quem passou a vida se refrescando, contando vantagem com garrafinhas na mão, será apenas um defunto saudável, despedindo-se da vida de modo afogado e líquido.





A cada instante a ciência presenteia os ignorantes com a derrubada de um mito e nós, pobrezinhos, que dela colhemos saberes e por cuja régua traçamos caminhos, nós ficamos a esmo, desnorteados, à deriva dos mistérios insondáveis da inteligência e da capacidade inventiva da mente humana. Mesma e contraditória dita inteligência que, por si brilhante, ora fica opaca diante dos enigmas da existência.





O homem nada sabe de si. O homem é, se muito, uma invenção de si. Por mim prefiro, obtuso, molhar-me de satisfação. Não apenas a que a água dá, já que somos dois terços dela, mas da satisfação completa e volátil que habita os líquidos - inclusive os bandidos, os amargos e borbulhantes, os destilados e fermentados, amém. E enquanto tentam difamar a pobrezinha translúcida, a lavada e molhadinha, mãe das plantas e dos desertos, esses cientistas que vivem na tona se esquecem, abstêmios e pragmáticos, que beber permanece sendo um exercício humano saudável, além de social e afetivo. Varridas desta análise as ocasiões de insensatez.

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