Ronaldo Duran
Psicólogo da Fundação Casa-SP
Certas invenções humanas são mais um desperdício de tempo, grana e paciência que um bem útil. O que dizer dos controles remotos? Pra que tantos botões se eu só uso quatro: o de abrir, carregar, tocar e, quando não for o caso de minha TV, o do volume. Apesar de ter sido do tempo do onça, como uns bestas lá na repartição me rotulam, eu nada tenho contra a modernidade. Quem visualizou o benefício da chegada do micro computador a o nosso atendimento no SUS? Eu, com mais de 50 anos, ao passo que jovens recém-saídos das fraldas colocavam empecilhos quanto à utilização.
Tudo bem que uma década atrás me antipatizei com a máquina elétrica. E teimava sempre em bater meus ofícios na minha velha de guerra Olivetti. Vai ver o fato de eu ter queimado a primeira que chegou na repartição, por causa da maldita voltagem errada.
Hoje, aposentado, confesso não ter morrido de amores quando do meu primeiro contato com o celular. Achei-o invasivo, o tijolo que berrava a cada chamada. Era 1995, eu com sessenta e um anos bem-vividos. Sim, tinha direito a torcer o nariz. E o fiz. Mas no fundo, como diz meu neto balbuciando psicanálise, eu, inconscientemente, teria medo do novo, não queria admitir que aquele treco tivesse igual ou maior poder do que o telefone convencional.
Lembro-me de ter emburrado, fechado a cara para tal intruso. Sou da turma do bem. Não iria favorecer sua expulsão da casa, mas me esquivaria de ficar paparicando.
Dizem que o tempo cura tudo: até a dor de cotovelo.
Certa vez eu estava passando ao lado do banheiro e vi, melhor, ouvi o celular tocar. Pensei que alguém esqueceu o treco lá dentro. De repente, minha neta atende a chamada. Era uma amiga. E... Conversam.
A situação rotineira para alguns, a mim soou extremamente fantástica. Poder atender a um telefonema no bainheiro. Digo isto por que o que me causa mais incômodo é estar à espera de um telefonema importante, e sozinho em casa, na exata hora que eu estou no banheiro, pensando na vida, ter que correr que nem um louco, me atrapalhar com o papel higiênico e a maldita descarga, enquanto o diabo não pára de tocar lá na sala, e sair correndo porta afora, esbarrando nos móveis, para chegar ao telefone, por vezes com a canela doendo de eventual topada, e o infeliz fica mudo. Ligação perdida. Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh, que droga!
A engenhoca teria o poder de me livrar deste dissabor. Agora, poderia pensar na vida e atender ao chamado, sem o menor constrangimento. Restou me curvar aos pés do senhor celular.
Fizemos as pazes. Hoje, em 2001, já faz parte de minha vida. Eu sequer saberia viver sem este grande amigo de bolso.